A hipnótica instalação “Xingu Ensemble” fecha uma semana de intensas emoções com os Kuikuros no Rio

XINGU KUIKUROS from Festival Multiplicidade on Vimeo.

Por Carlos Albuquerque

Estive na aldeia Ipatse, da comunidade Kuikuro, no Alto Xingu, algumas vezes, eu acho. Na primeira vez, extasiado, fiquei apenas girando em torno de um integrante que, no meio da mata, com a mão levantada, parecia sinalizar alguma coisa. Ouvi também uma voz, serena e firme, contando, na língua karib, uma bela história sobre caça, amizade, companheirismo, vida e morte, tendo ao fundo os mais variados sons da floresta. Na segunda vez, já à vontade, mas ainda sob encanto, circulei mais. Adentrei a mata, fui para a esquerda e para a direita, para frente e para trás. Vi mais kuikuros espalhados pelo caminho –  alguns em fila, outros num círculo. Passei por dentro de uma oca e vi os locais trabalhando em alguma coisa. Foi da terceira vez em diante, porém, que  a viagem se tornou mais longa,  intensa e poética.  Solto na aldeia, rastejei pela terra como uma cobra, subi nas árvores como um macaco e voei como um gavião-real por cima de oito ou nove kuikuros sentados, lado a lado, em algum tipo de reunião.

E quando estava olhando as estrelas, pronto para beijar o céu, alguém me cutucou e avisou que meu tempo tinha acabado. Tirei os óculos de Realidade Virtual e os fones de ouvido e despertei. Minha experiência com a  “Xingu Ensemble” tinha acabado e estava de volta ao teatro do Oi Futuro Flamengo, de onde nunca tinha saído, eu acho.

Realizada no sábado e no domingo passados, a instalação interativa criada pelo xamã digital Clelio de Paula – um hipnótico e imersivo diorama em 3D, reproduzindo áreas da aldeia visitada por ele – foi um mágico encerramento para uma semana de volumosas emoções com a presença de nove integrantes da comunidade Kuikuro no Rio durante o festival Multiplicidade, resultado de uma parceria artística sugerida por Takumã Kuikuro, um dos mais ativos integrantes daquela comunidade, e produzida pelo People´s Palace Projects, da Inglaterra.

Como se tivessem sido disparadas pela “Xingu Ensemble”, as lembranças desse encontro – capturadas ao longo de três dias de agitada programação  – ressurgem, agora, como flashbacks multicoloridos de som surround.

Vejo os kuikuros se pintando, todos juntos, numa das salas da produção. Ouço a fala forte do cacique Jacalo Kuikuro contra os desmandos do trôpego governo federal (“Por isso, dizemos ‘Fora Temer, Anta fica’”), durante a apresentação do projeto com os curadores-residentes Gringo Cardia, Marcus Faustini, Jailson de Souza e Batman Zavareze. Volto à  aula de karib com Yamalui Kuikuro e clico na escrita que ele deixou no quadro (Konilope=passado, Andongo=presente, Kogetsingoingo=futuro). Assisto à fascinante palestra do britânico Ferdinand Saumarez, da Factum Foundation, sobre técnicas de digitalização de áreas culturais ameaçadas e o uso dessa avançada tecnologia no Xingu. Tenho uma surpresa com a presença do antropólogo e ex-presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes, iluminado e cenograficamente postado no meio da plateia, para um bate papo com Paul Heritage (da PPP) sobre a situação dos povos indígenas no Brasil. Me encanto com a apresentação de todo o grupo, cantando e dançando, na noite final.  E, por fim, reparo em Tuiuia Kuikuro, já sem os trajes típicos, na porta do prédio, esperando a van para ir embora,  vestindo uma camiseta com os dizeres “I (coração) Rio” e com o celular quase caindo para fora do bolso da bermuda.

Quando volto ao teatro para mais uma imersão na “Xingu Ensemble”, encontro Takumã, que resume o que sinto com uma frase certeira.

– Isso tudo parece um sonho, né?

Parece.

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XINGU ENSEMBLE – CLELIO DE PAULA from Festival Multiplicidade on Vimeo.

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