Tom Zé na fachada do museu expulsa o pandemônio das pessoas

Multiplicidades_LeoAversa-040 menor
 Bebeto Abrantes
Ontem, 21/01/2021, rolou o primeiro acontecimento cultural do ano: a abertura da 16º edição do Festival Multiplicidade. Num país onde nada continua, como diz o poeta, só o fato de nesse momento grave, duro e triste de pandemia/pandemônio, Batman Zavareze ter disponibilizado nas nossas telas o festival, com o apoio de sempre do Oi Futuro e de outras entidades, já é motivo de júbilo, perseverança e resistência.
Além da bela e instigante performance do artista japonês Daito Manabe, com sua coreografia “algoritimada-e-ampliada”, pudemos assistir online um show HISTÓRICO de nosso querido Tom Zé, projetado na fachada do Museu Nacional.
Sim, simplesmente Tom Zé + Museu Nacional! Este, o museu do homem brasileiro tragicamente destroçado pelo descuido habitual de nefastos governantes com nossos equipamentos culturais. E Tom Zé, artista que corporifica no jeito, em vida e obra, um dos homens brasileiros – correndo o risco de generalizar: o homem sertanejo. O homem do coração dos brasis. Brasis de dentro, profundos.
Multiplicidades_LeoAversa-053 menor
Por isso afirmo que ontem à noite tivemos o primeiro acontecimento cultural do ano de 2021. A potência que nasce dessa ideia de projetar Tom Zé e sua arte nas paredes do Museu Nacional é indiscutível e difícil de aquilatar agora. Mas, SIM, ontem o Festival Multiplicidade abriu o ano jogando luz, dança e música no Museu Nacional, espalhando poesia, alegria e esperança.
Fotos de Leonardo Aversa

Uyra Sodoma é semente, flor, folha e galhos da floresta

Uyra 4

 

Emerson Mundukuru é Uyra Sodoma, que é a Árvore que Anda. São partes de um mesmo processo, que conecta ciência, arte e militância: a bióloga (de Manaus) com mestrado em ecologia que se transforma na drag, uma entidade “em carne de bicho e planta”, montada com materiais orgânicos, protagonista de combativas performances em defesa da floresta, que já ecoaram do país ao exterior. Atração do Festival Multiplicidade 20_21, Emerson-Uýra-Árvore resume sua história e explica um pouco dos seus encantos (e poderes) no papo abaixo.

1) Como surgiu Uyra? Qual foi o processo de criação dessa personagem? Existiu um estopim para que ela surgisse?

Me inspiro no que diz nosso mestre Ailton Krenak, e vejo meu trabalho como mais uma tentativa de adiar o fim do mundo. Por isso, busco falar do que é belo, único, potente e habita o nosso quintal, tanto a terra quando o coração. Mas meu trabalho também é um alerta sobre o que adianta esse fim. Vejo Uyra como um canal que gera imagens que o olho já não vê, como as violências que nos cercam, sejam elas concretas ou simbólicas, mas sempre cotidianas.

2) De que forma sua formação de biólogo abastece Uyra e suas performances? Como é essa conexão?

Reunir biologia e arte foi um caminho complementar que encontrei para falar de conservação, ampliando nosso próprio entendimento sobre a vida e suas expressões. Meu trabalho é composto por nexos entre diversidade biológica e cultural e violência ambiental e social. Utilizo a matéria orgânica como parte do meu corpo, agregando novas formas e caminhos estéticos possíveis. No conjunto há uma fala, sempre conectada à história daquele elemento orgânico e do seu encontro com o meu corpo, um corpo coletivo. Sementes, flores, folhas, galhos, tudo tem história.

3) Como você descreve as obras que vai apresentar no Festival Multiplicidade, “Manaus, uma cidade na aldeia” e “Quintal”?

Como todo o Brasil, Manaus também foi construída sobre Território Indígena. Na vídeo-performance “Manaus, uma cidade na aldeia”, aparições de Uyra em locais e monumentos de Manaus trazem à superfície uma história pouco contada, inundada por trechos e consequências da violenta ocupação colonial da Amazônia central. Emerge também, a partir da Mata que conta a resistência dos povos indígenas que permanecem habitando, de múltiplas e adaptadas formas, as cidades brasileiras sobre as aldeias. Já “Quintal” é uma performance que aborda como o elementar Terra, metaforicamente apresentado como o quintal, o nosso entorno atual, se conecta com os processos de nascer, crescer, se reproduzir e morrer, E nascer de novo, após a morte pandêmica.