Multiplicidade 2022 abre os caminhos em uma noite mágica

A previsão era de uma noite de chuva e de fortes emoções. Mas só o segundo prognóstico vingou completamente. A pré-estreia (ou estreia espiritual) do Festival Multiplicidade 2022 no Centro Cultural Oi Futuro Flamengo – no Dia de Iemanjá, 2-2-22 – foi uma torrente de sentimentos, que começou com a inauguração da obra “Vantu”, de Odan, seguiu com “Aruanda”, uma celebração da cultura afro-brasileira, conduzida pela Companhia de Aruanda, com uma lembrança especial ao saudoso Roberto Guimarães, ex-Gerente de Cultura do OF, e culminou com um cortejo até a Praia do Flamengo, em homenagem à Rainha das Águas, com flores jogadas ao mar, roda de ciranda, beijos, abraços e lágrimas. Dentro do impossível, lema do festival neste ano, foi tudo lindo demais.

Com o Oi Futuro Flamengo ainda vazio no meio da tarde, começaram a dizer presente os integrantes da Companhia de Aruanda e também da Casa de Candomblé Onixêgun.. Aqueles que optaram pelas escadas, em vez dos elevadores, para chegar aos camarins, no oitavo andar do prédio, passaram pelo quarto andar, onde estava “Vantu” e também local onde ocorreria “Aruanda”. A obra – um gigantesco vaso, com sonorização própria – é uma homenagem aos escravos que chegaram ao Cais do Valongo, na zona portuária do Rio de Janeiro, entre o final do século XVIII e o início do século XIX, após longa e sofrida travessia a partir do continente africano.

Aos poucos, começaram os preparativos para a cerimônia. Atabaques foram montados e flores e plantas foram jogados ao chão, delicadamente destacados pela iluminação do local. Às 18h em ponto, artistas e um grupo seleto de convidados – devido à pandemia – se juntaram para o começo de “Aruanda”. De branco, todos foram envolvidos pela beleza da cerimônia, que teve seu auge quando foi ouvida a voz e o batuque de Luiz Ângelo da Silva, o Ogan Bangbala, de 102 anos, o mais antigo Ogan do Brasil. No evento, foi lembrada também a memória do congolês Moïse Kabagambe, brutalmente assassinado alguns dias antes, na Barra da Tijuca. O sentimento geral, porém, foi de fé em dias melhores.

Após a cerimônia, o grupo desceu para o pátio do Oi Futuro, onde se juntou a um time maior de convidados, que já esperava para a saída rumo à praia. Com o céu carrancudo, o cortejo seguiu – poderia dizer, flutuou – pela Rua Dois de Dezembro, com seus cânticos e passos tratados com um bem vindo respeito pelos carros que passavam pela via. Prosseguimos no sinal verde. Na passagem pela passarela do Aterro, o cortejo já contava com cerca de 200 pessoas .

Na areia, a cerimônia teve inicialmente um momento dedicado ao sagrado, com os tradicionais cantos em saudação à Iemanjá. Depois, foi anunciado o momento “profano”, de festa, de celebração. A roda foi aberta e quem estava presente entrou e dançou- incluindo também ambulantes, jogadoras de futevôlei, gente que estava correndo etc. Mãos foram dadas – há quanto tempo! – e a ciranda girou, para cima e para baixo, para um lado e para o outro. Foi bonito, foi amoroso, foi caloroso, foi especial. Após algum tempo – como se mede o tempo durante um sonho? -, “Aruanda” foi encerrada e o grupo começou a se dispersar, aos gritos de Odoyá. Nos rostos, a expressão parecia ser de graça, de alívio e de (um pouco de) paz. No céu, um ronco indicava que um avião estava atravessando as nuvens rumo ao futuro.

Mais tarde, só bem mais tarde choveu.

Texto: Carlos Albuquerque

Fotos: Coletivo Clap

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