Sobre blogmultiplicidade

O Multiplicidade_Imagem_Som_inusitados é um festival de performances audiovisuais que acontece desde 2005 no Rio de Janeiro e que mostra ao público um amplo repertório de atrações no Oi Futuro Flamengo e na Escola de Artes Visuais do Parque Lage. O seu principal conceito é unir em um mesmo palco arte visual e sonoridade experimental.

Multiplicidade 2019 dá sinais de ocupado no Oi Futuro Flamengo

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Na noite desta segunda feira, o Oi Futuro Flamengo deu sinal de ocupado pela 15ª edição do Festival Multiplicidade. Na linha, um diálogo com os Brasis de um país que parece de cabeça para baixo. A conversa, dividida em atos, vai até o próximo domingo.

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O térreo ficou uma pilha de livros, com a performance “Leia pegue doe”, do ator Gabriel Silveira, acompanhada pela instalação “Fala que eu te escuto”, de Alfredo Alves e João Oliveira, com 150 hipnotizantes retratos feitos durante o Colaboramérica de 2018, na Fundição Progresso.

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A obra “Concavo e convexo”, da premiada carnavalesca Rosa Magalhães, em parceria com Marlus Araújo, desafiava os sentidos, com imagens inusitadas da folia, em 360º, projetadas na superfície de guarda-chuvas. A impressão era de células se movimentando sob o olhar de um microscópio.

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Mais acima, foi a manifestação das entidades da arte que atraiu as pessoas. De um lado, na imersiva instalação “PIB – Produto Interno Bruto”, de Filipe Cartaxo, as características máscaras do BaianaSystem abriam-se para revelar um pouco do processo criativo da banda –suas conversas, suas trocas, seus sons.

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Do outro lado, Cabelo e suas mercadorias – os ovos-bombas, os tapetes, o manequim com a blusa camuflada (e os dizeres Rambo x Rimbaud) – dentro da anti-exposição “Luz com trevas”, ativada por uma intervenção do artista, meio Exu, meio MC, acompanhado pelo DJ Nado Leal, pelo percussionista Leo Leobons  e dançarinos do Passinho mascarados.

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Entre um e outro, a elegância da “The new brazilian flag”, de Raul Mourão, retratando um país com um buraco no meio.

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O magnetismo foi mantido com “Ambiente”, uma sinfonia de vozes e ruídos  criada por Rodrigo Penna e Felipe Storino. O trabalho fala através de uma série de caixas espalhadas numa sala de luz (vermelha) baixa e nenhum estímulo visual, gerando um transe de informações cruzadas roçando os ouvidos.

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Seguindo para o alto, no teatro, o sonho não acabava. Ele ganhava poesia com a obra “Incorporais”, de Dani Dacorso. Ao som de Leobons, novamente ele, as impressionantes imagens da fotógrafa ganhavam vida e ritmo, dançando conforme a música.

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E no café, no último andar, a ligação dos Brasis vinha através das projeções do trabalho “Donos do Brasil”, de Thiago Tegui, subvertendo e aguçando os olhares sobre os povos indígenas.

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No final, de volta ao térreo, sobraram os livros para contar histórias. De existências e resistências, por exemplo.

Fotos: Coletivo Clap

 

 

Instalação de Filipe Cartaxo abre nova dimensão para o BaianaSystem

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Filipe Cartaxo faz música com imagens.  Ele é o responsável pela marcante identidade visual do BaianaSystem  – dos inúmeros grafismos às cultuadas máscaras, tudo o que se vê e o que se toca do grupo tem sua assinatura. Sempre trafegando de forma equilibrada entre o digital e o analógico, Cartaxo abre uma nova dimensão para o BaianaSystem com a instalação “PIB – Produto Interno Bruto”, feita especialmente para o Festival Multiplicidade 2019, que estreia hoje, às 19h, no Oi Futuro Flamengo, onde segue até o dia 6/10. Num papo com o idealizador e curador do festival, Batman Zavareze, Cartaxo  fala sobre  esse inédito mergulho sensorial no processo criativo do grupo, e também sobre sua formação multidisciplinar e seu olhar para a arte..

– Sempre pensei no palco como uma exposição – revela.

Como você descreve a instalação “PIB – Produto Interno Bruto”? 

Filipe Cartaxo – Sendo BRASIS o tema do Multiplicidade desse ano, o PIB, de antemão, desloca o olhar para produção interna do BaianaSystem. Compartilhar um pouco do processo do grupo, trazendo a ambiência, a forma bruta de se produzir, a idéia solta, a imagem incompleta, a respiração, a voz da guitarra, os ruídos. São elementos soltos que, ao se combinarem, criam um local particular.

A instalação é uma metáfora do que se passa na cabeça de vocês, do BaianaSystem?

FC – Ela vai mostrar processos e produtos na sua forma bruta. Vai ajudar a identificar elementos que mudam através da própria forma, despertar sensações visuais, sonoras e reflexivas acerca do universo criado dentro de cada cabeça do grupo. E isso, de certa forma, acontece na cabeça de todos, somos estimulados o tempo inteiro e nem sempre sabemos organizar em qual caixa guardamos o que absorvemos.

Por que dividir a instalação em três partes: sonora, visual e reflexiva? Como vocês chegaram nesta síntese que muito representa o BaianaSystem?

FC – Isso foi o mestre B Negão quem falou. Ele sempre está por perto, na verdade ele faz parte do sistema, é uma peça fundamental. Na época que lançamos o álbum “Duas cidades”, ele falava das diversas artes inclusas no BS e essas três me chamaram muito atenção como fundamento. Ficou mais simples enxergamos dessa forma, como uma maneira de organizar ideias, ver princípios.

Você já tinha pensado no BaianaSystem além do palco, numa exposição? Curte a ideia de ver as ideias que vocês promovem dentro de outra contemplação, numa galeria? 

FC – Na verdade, eu sempre pensei no palco como uma exposição.  Mas de fato, o ambiente do show traz comportamentos  distintos de uma galeria, o que é curioso.

Através do seu currículo é possível entender sua formação artística antes do BaianaSystem e seu interesse em tantas linguagens multidisciplinares?

FC – Achava que (a minha) era Arquitetura. Fiz Urbanismo. Larguei. Passei na Escola de Belas Artes da UFBA no curso de desenho industrial (design). Me formei em 2009, já com a identidade do BaianaSystem. A fotografia foi a primeira linguagem que me fez entrar numa galeria, em 2004.

Eu-Multidão se agiganta em show com BaianaSystem

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TextoCarlosAlbuquerqueFotosLeonardoAversa

O BaianaSystem deu um show na apresentação da plateia, no Circo Voador, na estreia do Festival Multiplicidade 2019. Ou talvez tenha sido o oposto. Não importa. Cada vez que as luzes se apagam, o grupo se ilumina – e como o grupo se ilumina – e as pessoas vestem suas já tradicionais máscaras, vai desaparecendo a distância entre palco e chão. Tudo parece virar uma coisa só: o Eu-Multidão, uma entidade que se agiganta a olhos vistos.

Na noite chuvosa de sexta na Lapa, esses campos de força se aproximaram ainda mais. Estímulos não faltaram. Encaixotado dentro do espetacular cenário preparado especialmente para o evento – um cubo mágico aberto ou uma maquete de apartamento psicodelicamente decorada, dependendo do ponto de vista -, o grupo disparou sons e imagens de todos os ângulos, em diversas combinações: “Sulamericano”, “Saci”, “Dia da caça”, “Lucro”, “Arapuca”, “Salve, “Águas” (com a emocionante participação de Antonio Carlos e Jocafi), “Forasteiro”, “Playsom”, punhos cerrados em fundo vermelho, piões fumegantes, mãos sangrando, vídeos, frases, letras, bandeiras, engrenagens, grafismos etc.

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Do outro lado, de cima, debaixo e fora da lona, coberta e na chuva, a reação era imediata: danças, palmas, pulos, rodas, muitas rodas, rodas coletivas, rodas femininas, tudo girando, tudo se movimentando, do primeiro ao último minuto, num pulsar constante e integrado. “Só vamos conseguir reverter isso com poesia”, disse Russo Passapusso perto do fim de mais um espetáculo de transformação de banda e plateia num substantivo feminino só: multiplicidade. Mas pode chamar isso também de superpoder.

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O pulsar do BaianaSystem movimenta o Multiplicidade 2019

Baiana (LuizFranco)

O BaianaSystem vai ser a estrela da abertura do Multiplicidade 2019, nesta sexta-feira, no Circo Voador, movendo seu intenso campo magnético em um show especial de sons e imagens. O espetáculo (com ingressos já esgotados) vai apresentar um repertório preparado exclusivamente para o evento, com material dos três álbuns do grupo, e um cenário extraordinário, também feito em parceria com o festival, incluindo máscaras e camisetas únicas. Figura de frente do grupo, o cantor e compositor Russo Passapusso fala sobre o show, sobre a conexão com o Multiplicidade, sobre a cultura nesse Brasil de cabeça para baixo e sobre os 10 anos do BaianaSystem, celebrados em 2019.

– Não senti a passagem desses dez anos porque a gente trabalha quebrando a linha do tempo – afirma.

Como vai ser esse show especial para os 15 anos do festival Multiplicidade?

Russo Passapusso – Com ele, abre-se um novo desafio para o BaianaSystemn. Como a imagem faz parte da proposta do festival e como ela é a raiz do grupo, vamos fazer algumas experimentações visuais. E como o  tema do evento é Brasis, vamos ampliar o roteiro dos nossos shows recentes, incluindo mais músicas de “O futuro não demora” e também outras dos outros discos que temos tocado pouco ao vivo. Com esse repertório especial, vamos buscar uma provocação maior, a partir do estímulo de imagens. O BaianaSystem surgiu assim, afinal

Para um grupo que sempre trabalhou muito bem a sua parte visual, de que forma as imagens e os sons do BaianaSystem se completam?

RP – Elas reforçam um sentimento de coletivismo. As máscaras, por exemplo, elas causam um tamanho impacto na banda e no público que fazem com que todos deixem momentaneamente suas identidades e passem a se enxergar dentro de um sentimento de igualdade. É a criação de um novo ser, o eu-multidão.

Como você resumiria a situação da cultura no Brasil hoje?

RP – Acho que estamos em um ponto de mudança. Vejo esse momento de caos como uma grande oportunidade de reestruturação

O BaianaSystem está completando dez anos de existência em 2019. Como o grupo avalia esse período, em que, figurativamente, pulou das ruas de Salvador para o Brasil e o mundo?

RP – Pessoalmente, quase não senti a passagem desses dez anos, o que acho ótimo porque a gente trabalha quebrando a linha do tempo. De qualquer forma, é uma data que nos permite refletir sobre uma nova fase, um novo tempo. É uma coisa que naturalmente estimula a renovação.

Se o futuro não demora, dá para subverter a letra de “Bola de cristal” e prever o que vai acontecer com o BaianaSystem em breve?

RP – Dureza encontrar a resposta para essa pergunta porque o BaianaSystem é um quebra-cabeças, tem estímulos de diversos lados. Mas o que posso prever, olhando para trás e visualizando o que vem pela frente, é que a bandeira da luta vai ficar cada vez mais forte. Vamos precisar de um olhar mais amplo, mais circular, em 3D, para evoluir. Mas, de qualquer forma, não tem mais enganação. O momento é de lutar.

Foto: Luiz Franco

 

O manifesto de Rodrigo Penna é um ambiente

 Rodrigo Penna

Criador multifacetado e engajado, Rodrigo Penna pode ser visto à frente ou por trás das telas, no palco ou nos bastidores, no comando de uma pista ou na produção de uma festa. No Multiplicidade 2019, ele revela mais uma porção artística, com a instalação ”Ambiente”, que mistura palavras, poemas, discursos e sons. O trabalho vai ser apresentado em parceria com o artista sonoro Felipe Storino.

– Estar no Multiplicidade é um sonho antigo – diz ele, garantindo estar “lambuzado de vozes, narrativas e verbo”.

Quando surgiu o projeto Ambiente e de que forma ele evoluiu até essa performance no Multiplicidade 2019?

Rodrigo Penna – Vem desde o começo do milênio, em bares, cafés, teatros e museus da cidade (do Rio). Nessa primeira etapa, foram dois ou três anos experimentando vozes, camadas de textos, artistas diversos, misturando cânones literários com fragmentos do nosso dia a dia, frases de caminhão, bulas, horóscopo, receitas, mensagens pessoais, sampleando e remixando palavras e sons. Em 2009, fiz três edições do Ambiente pra matar a saudade, ainda como uma performance pontual, uma apresentação de até uma hora de duração, com atores ao vivo, recitando, citando, lendo, mais sons pré-gravados e também criados na hora. O Multiplicidade é minha primeira oportunidade de apresentar uma instalação Ambiente, um Ambiente-manifesto, totalmente fora da minha zona de conforto, um processo de depuração de sons, escolhas sendo feitas. O improviso é só mais um passageiro, não mais o motorista desse bonde. “Toda realidade é um excesso!”, dizia (Fernando) Pessoa. São esses excessos que nos cercam, nos empurram e paralisam, são esses transbordamentos que me interessam aqui.
Seu currículo inclui trabalhos como ator, diretor, produtor de eventos e DJ. De que forma todas essas suas facetas artísticas se integram? Existe uma sem a outra?
RP – Acho que todas são caminhos e expressões que, de alguma forma, me conduzem, me atravessam nessa vida. A dramaticidade do ator, a paixão por contar e ouvir histórias, as camadas e tonalidades do sentimento, tanto num texto como num som; DJ, produtor, diretor, estudante, curioso, de alguma forma há uma sensibilidade nas coisas, no mundo, no silêncio ou num belo beat que balança, e move alguma coisa lá dentro. E move também encontros e parcerias, o privilégio de trabalhar com quem a gente admira. Nessa edição, tenho a alegria de dialogar com Felipe Storino, artista que sempre me instigou. Tô ansioso pra abertura da instalação, mergulhado até os ossos nessa empreitada, lambuzado de vozes, narrativas e verbo. E há um Brasil urgente em cada linha dessa imensa colcha de retalhos.
Foto: Thiago Moraes

Batman Zavareze aponta os diversos ‘Brasis’ nos 15 anos do Multiplicidade

Batman

Idealizador e curador do festival Multiplicidade – que estreia sua edição 2019 no dia 27/09, com show do BaianaSystem no Circo Voador e segue para uma ocupação no Oi Futuro Flamengo, entre os dias 30/09 e 6/10 -, Batman Zavareze faz um balanço dos 15 anos do evento, explica o tema deste ano (os “Brasis” de um país virado ao avesso), conta o motivo da escolha do BaianaSystem para a abertura (e para uma instalação exclusiva no Oi Futuro Flamengo) e reflete sobre as mudanças e o impacto da tecnologia nas artes em geral.

– Hoje, você tem um cinema em casa, com uma seleção farta de séries, só para ficar num exemplo de escolhas que se tornaram muito acessíveis – diz ele. – Mesmo assim, acho que uma experiência presencial, provocativa e extrapolada, é como uma viagem que fica tatuada para sempre em nossa mente, em nossas memórias afetivas.

Qual o balanço desses 15 anos de Multiplicidade?

Batman Zavareze – O festival surgiu num momento em que a palavra “multiplicidade” nas artes era quase maldita. O teatro era teatro, o cinema era cinema. Vivi um momento onde todos queriam rotular o festival. Senti prazer em surfar numa zona livre e inclassificável. Em 2006, participando de uma mesa com o artista Cao Guimarães, ele me disse que vivia num limbo e isso era muito bom. Ele dizia que o pessoal do cinema o chamava de artista plástico e acontecia o pessoal das artes contemporâneas o chamava de cineasta. Naquele momento , escutando aquilo, me senti fortalecido.
Não era o único, mas sabia que estava trilhando um caminho onde não era um especialista e isso deveria ser ponto principal para traçar meu caminho, num modelo mais intuitivo e aglutinador de ideias. Quando a ruptura dessas fronteiras passou a ser a nova regra das artes, conseguimos, finalmente, aplicar em uma série de editais, já que até então éramos inexistentes. Fomos rotulados de plataformas de artes híbridas.
Atravessamos os nossos primeiros quatro anos (ainda não existia Facebook para desfocar a atenção de ninguém com brigas ou autopromoção) despertando curiosidades de várias pontas: artistas ávidos por experimentar em espaços diferentes e técnicos em busca de novas profissões que buscavam sair do quadrado. Desde o inicio, sempre tivemos parcerias internacionais e aos poucos construímos pontes importantes na Europa, a ponto de termos realizados 15 colaborações no exterior com total compreensão do que poderíamos criar. Numa delas, levamos 50 artistas para Florença numa co-curadoria com um dos atuais curadores da Tate Modern. Fomos pioneiros nesse dialogo no Rio, tanto como uma plataforma que unia artes integradas, como patrocinadores de artistas residentes durante períodos longos. Sempre promovemos eventos presenciais únicos, construídos por muitas mãos juntas. Isso possibilitava ter sempre um pé cravado na experimentação, na pesquisa e na inovação.
Em torno de seis, sete anos de existência, ficou muito claro que a filosofia do DIY (“Do it yourself”, “Faça você mesmo”), alavanca fundamental da era digital, estava migrando para o termo mais inclusivo, DIWO (“Do it with others”, “Faça com os outros”). Isso foi muito estimulante vendo coletivos criando, propondo e se apresentando com propostas novas com as tecnologias e recursos disponíveis naquele momento.
Hoje, com tantas descobertas facilitadas pelas redes sociais, surge um fenômeno crescente da pasteurização das ideias – vejo que há muitos projetos semelhantes, parecem cópias de tão iguais. Acredito que todos estão pesquisando as mesmas coisas, induzidos pelos algoritmos do Google, além de existir um enorme desinteresse do publico em geral que tem se afastado de experiências totais e imprevisíveis, devido a uma enorme competição com o sofá e a tela de bolso. Isso tem gerado uma preguiça coletiva em descobrir e criar, o que afeta diretamente um mergulho mais vertical em novas questões artísticas, mesmo com a criação de ferramentas tecnológicas extremamente sedutoras para criar algo novo. Estamos vivendo um tempo em que todos reclamam que não tem tempo para nada, mas as pessoas continuam perdendo muito tempo com besteiras irrelevantes. Estamos imersos numa tremenda pasmaceira, numa narrativa que mais parece um triunvirato das efemeridades e obsolescências.

Para um evento que teve como temas recentes o barulho e a utopia, o que representa o tema desse ano, BRASIS?

BZ – Estamos imersos numa trilogia. Nada foi premeditado, mas os sinais foram dados pelas tensões que estamos vivendo no Brasil e no mundo desde 2015. Sendo um evento com muita atenção pelas estéticas visuais, em 2017 optamos por documentar como jamais tínhamos feito as sonoridades investigadas pelo festival, e o resultado foi um vinil com as experiências capturadas naquele ano. Tiramos o pé do acelerador das imagens projetadas, uma referencia na memória de todos quando falam sobre o Multiplicidade. Fomos com 30 artistas para o Xingu, com uma seleção de criadores emergentes que eram invisíveis na maioria das exposições contemporâneas e precisavam de uma oportunidade. Trouxemos o Xingu para o festival. Foi um ano que a escuta, confrontada pelo tema BARULHO, foi o norte para promover algumas reflexões artísticas importantes.

Em 2018, falamos de resistência, existência, saídas possíveis para buscar caminhos poéticos e isso era representado simbolicamente pelos espaços utópicos, com uma instalação inusitada do coletivo croata NUMEN que utilizou 32 km de fitas durex para criar um penetrável pelo qual passaram mais de 40 mil visitantes. Ao fazer o livro, enxergamos que as coisas estavam de ponta cabeça e imprimimos a palavra Brasil virada. Ao começar o ano de 2019, com todos perplexos com o retrocesso que a arte, a cultura e as liberdades de expressão têm sofrido, demonizadas, vimos que muitos pontos se interligavam, e era um momento para olhar para dentro, valorizar o artista brasileiro. Percebi que nunca tivemos uma programação 100% brasileira. Essa trilogia, que passa por utopias e distopias, chama-se BRASIS.

Qual a importância de ter um grupo como o BaianaSystem na abertura do festival e também numa das instalações?

BZ – O BaianaSystem é a síntese das muitas questões que precisamos expor através do tema BRASIS. São artistas baianos, fora do eixo Rio-SP, que estão vivendo um momento maravilhoso no Brasil e no mundo. Trabalham de forma muito autoral a união entre imagem, som e tecnologia. São envolvidos por um contexto que sempre provoca muitas reflexões, e com eles, certamente iremos celebrar nossos 15 anos de existência num evento catártico. Por tudo que está acontecendo, queria começar com uma catarse. Neste ano, teremos uma programação em 15 atos com muitos artistas que foram invisíveis ao longo de nossa trajetória. E os homens invisíveis são temas recorrentes nos personagens expostos nas canções do grupo. O BaianaSystem tem raízes culturais fundamentais para entendermos quem somos.

A tecnologia sempre foi o elemento de costura entre as diversas linguagens artísticas do festival. O que mudou na relação do Multiplicidade com ela, da primeira edição, em 2005, até hoje? Como manter essa relação ainda excitante após tanto tempo e com a tecnologia já tão disseminada entre nós?

BZ – Tudo mudou. Em 2005, as experiências presenciais competiam com o controle remoto, um instrumento interativo que já era incrível. Hoje, você tem um cinema em casa, com uma seleção farta de séries, só para ficar num exemplo de escolhas que se tornaram muito acessíveis. Mesmo assim, acho que uma experiência presencial, provocativa e extrapolada, é como uma viagem que fica tatuada para sempre em nossa mente, em nossas memórias afetivas. Lembro do meu primeiro filme no cinema, da minha primeira viagem internacional, de um show do Kraftwerk, da primeira onda que surfei até a areia e da excursão da escola ao planetário.
Existe uma fórmula fácil de atingir e de manter o sucesso que refuto. Dito isso, o festival sai de uma janela que não se sustenta e nunca se sustentará pela bilheteria ou por ativações de empresas de marketing dentro do evento porque muitas vezes apresentamos projetos novos, projetos pilotos. Independente das tecnologias, sejam elas analógicas ou digitais, existe uma função investigativa e impulsionadora de pesquisas artísticas autorais.
Nós brasileiros, mesmo os das grandes capitais, com acesso a tudo, não somos um povo que foi educado para frequentar museus. Isso existe apenas para uma minoria cada vez mais isolada. Se não existe essa cultura de consumir arte, nosso papel torna-se ainda mais importante ao apresentar novas propostas artísticas que tem pouco espaço, ao inventar uma cena com regularidade, ativando uma economia com profissionais capacitados e educando o público a ver algo novo e instigante.
Da mesma forma que o festival surgiu gerando infinitas expectativas, eu acredito que tudo tem inicio, meio e fim. Fizemos contribuições importantes para a cena artística, mas não quero me reinventar pautado pela moda ou por “likes” sem propósitos. Existe uma mensuração artificial de sucesso que pouco me interessa. Se um dia uma cultura de mercado prevalecer como condição de existência, fecharemos um ciclo e vamos inventar uma nova relação com o que construímos de legado até então.

De mãos dadas

unnamedO Multiplicidade se faz com Gente.

Gente espelho de estrelas
Reflexo do esplendor
Se as estrelas são tantas
Só mesmo o amor

Adilson, Adra, Adriana, Aïcha, Alberto, Alcíbano, Alex, Alexsander, Alvaro, Ana Beatriz, Ana Lucia, Ananda, Anatacha, Anderson, Anderson, André, Andre, Antoine, Antônio, Barbara, Batman, Bernardo, Brunna, Bruna, Bruno, Denise, Calbuque, Carla, Claudia,Claudio, Consuelo, Cristiana, Christina, D’angelo, Daniele, Danielle, Danilo, Diego, Douglas, Edson, Edson, Eliane, Eurico, Evandro, Fernanda, Fernando, Flavio, Francisco, Franck, Fugaz, Gabriela, George, Gilberto, Guaracy, Gustavo, Hamilton, Haroldo, Igor, Isis, Ismael, Jairo, Jandaira, Janice, João, João, João, Jorge, Jorge, Jose, José, José, José Augusto, José Carlos, Joseph, Joyce, Julio, Leandro, Leonardo, Leo, Leozito, Leticia, Leyanne, Luan, Luana, Luciana, Luciana, Magnovaldo, Marcele, Marcelo, Marciel, Marcio, Marcio, Maria Clara, Marco Antonio, Marco Antônio, Maria, Maria do Carmo, Maria Julia, Mariana, Mariluze, Matheus, Milton, Mirian, Monna, Nado, Nathalia, Pamela, Patricia, Pedro, Pedro, Phill, Rafaela, Raphael, Raquel, Reinaldo, Renata, Renata, Ricardo, Roberto, Roberto, Rodolfo, Rodrigo, Rodrigo, Rogerio, Rodrigo, Rodrigo, Roner, Rostand, Rubens, Sanannda, Sandro, Sara, Sergio Ricardo, Silvio Roberto, Siri, Susana, Suzana, Tatiana, Teitiane, Teresa Cristina, Teresinha, Thaissa, Thais, Thaissa, Thales, Thaysa, Theo, Thiago, Thiago, Victor, Vitor, Vivianne, Vilson, Vinicius, Yuri, Zelia, Zezé.

Gente espelho da vida
Doce mistério
Vida, doce mistério
Vida, doce mistério
Vida, doce mistério*

Todxs de mãos dadas. Resistindo. Existindo. Ninguém soltando a mão de ninguém.

Balanço da temporada:
> 78 dias
> 28 ações
> 30 mil espectadores

OBRIGADO!!!!!! QUE VENHA 2019!!!!!

*Inspirado em Caetano Veloso extraindo trecho da letra Gente de sua autoria.

A expansão dos sentidos pelas imagens de Phil Niblock e os sons de Tatá Ogan

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Por Carlos Albuquerque
Fotos: Bleia Campos

Foi um contraste de grandes proporções. Exibido em três imensas telas numa das salas da Fundição Progresso, durante o ColaborAmérica, o filme “The movement of the working people”, de Phil Niblock, mostrava imagens da árdua rotina de trabalhadores no Brasil, México, China e Indonésia, com gente tecendo redes, quebrando pedras, pescando etc, tendo ao fundo um som minimalista e hipnótico. Em frente às telas, colchões gigantes espalhados pelo chão abrigavam e confortavam a plateia itinerante do local, ao longo das oito horas de projeção da obra, com gente curtindo, relaxando e até dormindo enquanto assistia ao filme. No escuro daquele supercinema alternativo, montado pelo Multiplicidade, criou-se uma curiosa contraposição de situações. Esforço vs descanso. Movimentação vs contemplação. Trabalho vs lazer.

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A celebrada obra de Niblock já havia sido, parcialmente, apresentada – e discutida pelo autor – durante o começo da temporada do Multiplicidade 2018, no Centro Cultural Oi Futuro e no Lab Oi Futuro. Mas só dessa vez ela foi exibida em suas proporções devidas – telas lineares de 12 metros, fundo musical a pleno vapor -, fazendo jus ao gigantismo do trabalho do mestre norte-americano da arte sonora. Mistura de cinema expandido, retrato antropológico e música experimental, “The movement of the working people” foi gerado ao longo de mais de 20 anos de pesquisa e produção até chegar ao looping de oito horas exibido no ColaborAmérica. Foi uma gigantesca janela aberta para, sem trocadilhos, futuras colaborações entre os dois festivais.

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E após tanto trabalho, foi a vez da movimentação dos povos dançantes se instalar no encerramento do evento. Num espaço a céu aberto, a DJ Tatá Ogan, outra contribuição do Multiplicidade, esquentou a noite com uma apimentada seleção de grooves, da cumbia ao trap, do carimbó ao hip-hop. Através dela, a pista virou um breve espaço utópico, com a diversidade musical refletindo o olhar para o todo. Festas boas são assim.

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A fenda espaço-tempo aberta por ‘Chronostasis’

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Por Carlos Albuquerque
Fotos: Bleia Campos

No fim da tarde de sexta-feira, o movimento era frenético na Fundição Progresso por conta do ColaborAmérica, festival de novas economias da América Latina. Humanos subiam e desciam as escadas do local, entravam e saíam de salas de debate, conversavam e debatiam nos corredores em torno da área de alimentação, onde copos descartáveis eram condenados e o indefectível hamburguer artesanal – ícone gastronômico da cultura empreendedora – marcava presença. Num canto, perto de onde se apresentava a DJ Érica Alves, com seu grooves orgânicos, uma porta, entreaberta por cima de uma faixa onde estava escrito “Multiplicidade”, parecia destoar de tudo, dando entrada para uma sala, cercada por panos, completamente escura. Era como uma fenda para um outro universo, bem diferente daquele exterior, onde sons e imagens inusitados estavam prestes a se instalar.

De fato, pouco depois das 19h, essa sensação foi transformada em realidade – uma estranha realidade – com o início da performance “Chronostasis”, da dupla francesa Franck Vigroux, músico que passeia do metal às texturas eletrônicas, e Antoine Schmitt, artista especializado em instalações. Parceiros desde o começo da década, os dois vêm desenvolvendo um trabalho no qual suas especialidades se misturam num enigmático novelo audiovisual. “Chronostasis” – que pega o nome de um fenômeno neurológico, no qual o tempo parece pausar por alguns segundos – é o mais recente fruto dessa combinação e sobreposição de talentos.

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Por cerca de 40 minutos – talvez mais, talvez menos – Vigroux e Schmitt criaram um ambiente de profunda abstração, um buraco negro que parecia prestes a sugar todos os presentes, inclusive eles dois. Em torno da dupla, uma estrutura circular, em forma de planeta, com incontáveis satélites retangulares, girava sem parar, ora alongando, ora contraindo suas dimensões, enquanto uma sequência de sons e ruídos, que variavam de contemplativos a perturbadores, ricocheteava pelas paredes daquela caixa preta.

Então, de repente, tudo parou, restando apenas o som ambiente – a música para os ouvidos de John Cage. Os aplausos vieram, mas não a chegada das luzes. Só quando as portas foram abertas é que o mundo exterior, real (?), voltou a ser dominante. Nele, humanos seguiam movimentando-se pelo ambiente da Fundição, conversando, rindo e até dançando, apesar da chuva fina, ao som do DJ Nepal. A fenda aberta por “Chronostasis” tinha sido fechada. Mas o tempo, apesar da distração geral, continua a ser relativo.

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Uma noite de sons inusitados à mesa

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Por Carlos Albuquerque
Fotos: Francisco Costa

A mesa estava posta. Em cima dela, caixas de metal, blocos de madeira, pequenas chaves de fenda, apitos, sinos, chocalhos, um boneco amarelo, um celular, uma espécie de ratoeira e até mesmo uma língua de sogra. Foi com essa inusitada “louça” que o artista suíço Roland Bucher serviu porções especiais de barulho aos comensais presentes à performance “Noise table”, realizada em edição especial do Multiplicidade 2018 na Sede das Cias, na Lapa, no centro do Rio. A noite contou também com uma palestra do vídeoartista e escritor Raimo Benedetti em torno do seu livro “Entre pássaros e cavalos”, com a participação do diretor e roteirista Bebeto Abrantes.

Criação do próprio Bucher, a noise table é, como indica o nome, um instrumento musical em forma de mesa, que “toca” – ou faz barulho com – objetos colocados em sua superfície. Projeto de Bucher quando ainda era estudante do equivalente suíço ao ensino médio, a mesa atua como uma espécie de sampler e unidade de efeitos touchpad, programada em Max/MSP, uma linguagem bastante popular para criações audiovisuais. Obra em constante progresso, ela tem sido aperfeiçoada pelo artista desde então. “É um processo de aprendizado e evolução contínuo, inclusive no modo como utilizo a mesa”, disse ele, em entrevista, um pouco antes da apresentação.

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Como um masterchef de sons inusitados, Bucher serviu um pequeno banquete de ruídos e texturas ao longo de pouco mais de 30 minutos de performance. Apesar de ser um baterista, ele não traz ritmos para a noise table, que funcionada acoplada a um laptop. Em vez disso, vai criando, aleatoriamente, séries de sons e efeitos abstratos – ora dispersivos, ora evocativos – ao colocar e arrastar os objetos na superfície da mesa. Ciente da curiosidade que sua criação desperta, ele fez questão de conversar com o público sobre a noise table após o show, explicando, em detalhes, como o instrumento funciona. Alguns nunca mais vão olhar para um saleiro da mesma maneira.

Raimo

A noite foi aberta com boas conversas também, com Raimo Benedetti contando a fascinante história de Eadweard James Muybridge, fotógrafo norte-americano, e Éttiene-Jules Marey, cientista francês. Os dois, que, coincidentemente viveram entre 1830 e 1904, são os protagonistas de “Entre pássaros e cavalos”, que tem o subtítulo “Muybridge, Marey e o Pré-Cinema”. Em sua apresentação, Benedetti mostrou, com projeções em um  telão, como o trabalho dos dois foi importante para o desenvolvimento da linguagem cinematográfica, antes mesmo da invenção do cinematógrafo pelos irmãos Lumière, em 1895.