Uma estréia pontuada por desafios, reflexões e algum barulho

WhatsApp Image 2018-09-17 at 20.55.29Por Carlos Albuquerque

Obra em progresso gera obra em progresso. Para rebater a agressiva grandiosidade de um condomínio de três prédios que começa a ser erguido ao redor do Oi Futuro Flamengo – sufocando e abalando sua entrada principal – o arquiteto e artista plástico Pedro Varella gerou “Ações no pátio”, uma das mais instigantes atrações da estréia do Multiplicidade 2018. Subvertendo a estrutura e o conceito de uma construção em andamento – no caso, o muro escorado e o tapume instalado no local -, ele embaralhou necessidade técnica e proposta artística, realidade e imaginação, criando algo genuinamente singular. E em vez de um improvável tapete vermelho, abriu janelas, demarcou áreas de risco, aparou arestas e recebeu os convidados com um sinal vermelho de alerta que, em tempos incendiários, parecia dizer: “Centros culturais em perigo. Ressaca à vista”.

Lá dentro e também no IAB (Instituto dos Arquitetos do Brasil), outras metáforas, desafios e reflexões aguardavam quem chegava numa noite de segunda-feira de tempo instável, sujeita a chuvas e trovoadas. Na entrada, a realidade também era confrontada com a instalação de realidade virtual “Iceberg”, do artista uruguaio (radicado no Brasil) Fernando Velázquez. Uma fila se formou para adentrar o filme em 360º no qual blocos de gelo flutuam soltos em um ambiente de gravidade zero, simbolizando a conflituosa relação do homem com o ambiente.

WhatsApp Image 2018-09-17 at 20.55.23

Um andar acima e no primeiro piso do IAB – que recebia também o lançamento do vinil “Barulho”, com sons da edição 2017 do festival -, a viagem era mais palpável, com a espetacular obra “Tape”, do coletivo croata Numen. Feito com quilômetros de fita adesiva, o concorrido trabalho penetrável fazia lembrar um enorme casulo ou uma gigantesca teia de aranha (ou ainda o ventre de um “alien”, lembraram alguns mais afeitos à ficção-científica). Os passeios pelo seu interior – três pessoas de cada vez – eram feitos em meio a uma alegria quase infantil e também uma sensação de insegurança e estranhamento. “É uma volta ao útero, só que já adulta”, resumiu uma mulher ao final da aventura.

LRM_EXPORT_110090562459200_20180918_150915825

No teatro, a história era outra e remetia ao mote da edição anterior do festival, BARULHO, com as apresentações de Sannanda Acácia e Phil Niblock. Sannanda veio primeiro. Munida de computador, controladora, mixer e um amplificador valvulado, a artista sonora executou a obra “Aproximação”, com seu projeto Quasicrystal. Durante cerca de uma hora, ela construiu, progressivamente, uma densa paisagem de ruídos e distorções, sobrepondo texturas metálicas numa sinfonia siderúrgica, industrial, desafiadora, pontuada por flashes de luz estroboscópica. Ao final, Sannanda simplesmente saiu do palco e se sentou na platéia, sem definir um formal encerramento para a performance. Após alguns instantes de silêncio e indecisão, os aplausos vieram assombrados, nervosos, catárticos.

LRM_EXPORT_110211601412070_20180918_151116864

Acompanhado pelo saxofonista Livio Tragtenberg, Niblock veio em seguida, na apresentação mais esperada da noite. Eminência da música de vanguarda, ele apresentou a obra audiovisual “Environments Series”, casando seus sons minimalistas com as imagens da série “The movement of people working”. Mostrando por que é venerado por artistas como Lee Ranaldo e Thurston Moore, do Sonic Youth, Niblock, de 85 anos, tocou alto, muito alto, criando um contrastante fundo musical para a plácida e repetitiva movimentação de pescadores chineses de ouriços do mar. O transe de sua ação só foi interrompido por um problema numa das caixas, que fez a performance chegar ao fim um pouco antes do previsto. Experiente com os imprevistos do meio ambiente, ele não se abalou e rumou dali, amparado por uma bengala, para um universo aparentemente mais controlado: o restaurante Lamas, onde fechou a noite.

Phill Niblock2

 

Fotos: Francisco Costa e Diana Sandes (Phill Niblock)

 

Publicado em Sem categoria por blogmultiplicidade. Marque Link Permanente.

Sobre blogmultiplicidade

O Multiplicidade_Imagem_Som_inusitados é um festival de performances audiovisuais que acontece desde 2005 no Rio de Janeiro e que mostra ao público um amplo repertório de atrações no Oi Futuro Flamengo e na Escola de Artes Visuais do Parque Lage. O seu principal conceito é unir em um mesmo palco arte visual e sonoridade experimental.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *