Ultrasonidos 2023 reforça ponte entre o Brasil e suas hermanas

Clara Trucco, da dupla argentina Fémina, e Jonathan Ferr, no estúdio Labsonica

“Dá-me tu amor, solo tu amor”, pedia Herbert Vianna, em “Trac trac”, regravação dos Paralamas do Sucesso, lançada em 1991, para a música “Track track”, do argentino Fito Paéz, gravada quatro anos antes. O pedido foi atendido, em termos. Embora “Os grãos”, que trazia a música, tenha vendido no Brasil menos que os trabalhos anteriores do grupo – em 1991, Daniel Ek, fundador do Spotify, tinha oito anos e discos ainda eram comprados -, o álbum teve boa repercussão na Argentina e abriu as portas do mercado sul-americano para o trio. No ano seguinte, os PDS lançaram um disco com regravações dos seus sucessos em espanhol e passaram a lotar estádios no país de Maradona. Mil novecentos noventa y uno

Mas esse foi mais um caso isolado do que uma tendência. A curiosa relação musical entre o Brasil e seus vizinhos sul-americanos – assunto principal do Festival Ultrasonidos, que estreia hoje, no Futuros, num grande abraço do Festival Multiplicidade –  é marcada por inúmeros flertes ocasionais, como esse dos Paralamas com Fito Paéz, mas ainda parece faltar “mucho” para o romance ideal.

É certo que Caetano Veloso se declarou à América, que os Secos e Molhados saudaram o sangue latino, que João Donato jogou um molho de salsa na bossa nova, que Milton Nascimento encontrou Mercedes Sosa e que Paulinho Moska voou junto com Jorge Drexler. Na grande linha do tempo, porém, esses são pontos isolados, cheios de espaços vazios entre eles. E aí começam a surgir as interrogações. Que pasa?

Por que esse intercâmbio não é mais frequente? Por que na escalação dos festivais de música na América do Sul existem bandas da Argentina, Chile, Colômbia etc, e nenhuma banda do Brasil? Por que a escalação dos festivais de música no Brasil não incluem bandas da Argentina, Chile, Colômbia etc? Por que parecemos ouvir mais o que é produzido nos EUA e na Europa do que o que é feito ao nosso redor? É por causa do idioma? Hablamos apenas english? Que pasa?

Respostas na ponta da língua, ninguém tem. Mas existem novos sinais no ar e eles são animadores. O grupo Braza, que tem o DNA dos Paralamas, gravou com o grupo uruguaio Cuatro Pesos de Propina. Estrela emergente, a cantora Luciane Dom, que fez recentemente uma residência artística na Colombia, lançou um single com o grupo local Esteban Copete y su Kinteto Pacfico. E o BaianaSystem, um gigante que não para de crescer dentro da moderna MPB, vive reforçando seus laços com o continente, como demonstram os álbuns “Ato 3: América do Sol” e “Oxeaxeexu”.

E o Festival Ultrasonidos tenta fazer a sua parte, na busca por aproximações, carinhos e gentilezas entre o Brasil e sus hermanxs, sempre no mais sincero portunhol. Nessa edição, as residências  artísticas, marca do evento, são entre o grupo vocal Femina, da Argentina, e o pianista afrofuturista Jonathan Ferr, e entre a multi-instrumentista Kaleema, também argentina, e a cantora Filipe Catto. As duas duplas – que passaram a semana juntas em estúdio – vão apresentar o resultado das residências em shows, a partir das 19h, no teatro do Futuros – Arte e Tecnologia. A noite vai incluir também debate, instalações, intervenções do percussionista argentino Agustin Rios e DJs da Festa La Cumbia.

Quis o destino que esse abraço entre os dois países acontecesse na véspera do confronto entres eles, no dia seguinte, na final da Libertadores. Como vai ser no campo do futebol, só saberemos depois do apito final. Mas no campo da música, vai ser tudo lindo. La garantia?

Texto: Carlos Albuquerque

Foto de Batman Zavareze

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Sobre blogmultiplicidade

O Multiplicidade_Imagem_Som_inusitados é um festival de performances audiovisuais que acontece desde 2005 no Rio de Janeiro e que mostra ao público um amplo repertório de atrações no Oi Futuro Flamengo e na Escola de Artes Visuais do Parque Lage. O seu principal conceito é unir em um mesmo palco arte visual e sonoridade experimental.

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