Sobre 2012 por Batman Zavareze

FESTIVAL MULTIPLICIDADE 2012

“Não sabendo que era impossível, foi lá e fez.” – Jean Cocteau

 

Eu sou um curador com uma curiosidade que não cabe em mim, sem apego algum a qualquer proposta de transformação e com uma formação transversal, transdisciplinar por que meu interesse é a experiência. Sempre foi assim profissionalmente ao longo dos últimos 21 anos….

Sinto falta de curiosidade nas pessoas, eu vibro com este desejo de conhecer mais, de ir em busca do que nunca vi, isso me instiga a enxergar as belezas, mesmo aquelas que a princípio desprezo e muitas vezes até já odiei.

Esta minha percepção do gosto coletivo é perigosa porque mostra uma tendência de escolhas aos eventos espetaculosos de massa. Direção oposta para onde aponto meu olhar, minha pesquisa e a curadoria do festival.

Minha ambição ao propor o Festival Multiplicidade é formar uma plataforma dinâmica, viva, critica e longeva, por isso eu realizo meus projetos próprios para compreender a minha própria reinvenção.

Estudei comunicação visual e fui parar na indústria audiovisual, TV e cinema, por 10 anos, onde em seguida tive uma formação estendida com uma bolsa na Europa no campo das artes visuais. Estes 10 primeiros anos me permitiu ser assistente, trabalhar em equipe, em pequenas produções autorais e outras mega-gigantescas. Eu sou um “remix” deste liqüidificador do que vivi e agora esta tudo mais intenso nos dias atuais. Ou melhor dizendo, sou um antropófago aglutinando informações das coisas que vejo nos festivais, na TV, nos momentos de diversão, nas viagens que faço ou nos links e pacotes enviados pelos artistas interdisciplinares que desejam participar do festival.

O Festival Multiplicidade é um projeto de que eu adoraria participar um dia como artista, mas tive a oportunidade e o privilégio de propô-lo quando surgiu o primeiro centro de arte e tecnologia no Rio de Janeiro a 8 anos atrás. Nascemos juntos e posso dizer que crescemos juntos com uma geração que frequentou intensamente o Oi Futuro.

O nome Multiplicidade é auto-referencial, e eu sou um reflex profissional e espiritual desta avalanche de informações. Eu sou uma esponja e ao ter filhos isso só aumentou ao rever conceitos que já curti e que tiveram uma importância na minha formação muito antes dos meus 21 anos de profissão. Eu venero de paixão toda essa multiplicidade que estamos vivendo na vida e nas artes contemporâneas.

Já havia visto diferentes formatos de festivais na Europa — Sónar, Ars Electronica, Netmage, Transmediale, Mapping, etc. O desafio, no Rio, seria formatar algo com originalidade.

O Festival Multiplicidade tem o compromisso depreencher um calendário de junho a dezembro, sempre na última quinta-feira do mês, com um repertório plural com muitos sotaques, nacionais e internacionais, sem classificações óbvias do universo da arte eletrônica, construindo um encontro singular e inusitado entre imagem e som. Isso é uma mega-maratona exaustiva e prazerosa, mas para poucos. Esta resistência é o que acredito ser a maior importância e contribuição cultural que possa estar construindo. É uma contribuição de erros e acertos em busca de algo novo numa cidade tão carente.

A proposta do festival vem ao encontro a um desejo pessoal artístico e ao propor uma plataforma cultural contemporânea com regularidade, para formar público e fomentar a produção de conteúdo digital nestes 8 anos de existência, não imaginava o trabalho que isso geraria. Obviamente para fazer com excelência, única condição que topei fazer. Por isso é muito dificil na cultura dos cariocas (brasileiros) conscientizarmos que deveriamos ter uma formação mais profunda, até porque não existe muitas referencias continuadas de qualidade. Nem vamos entrar no viés da experimentação. Ai nem se fala. Por isso toda a área cultural no Brasil (no teatro, no cinema, nos eventos em geral) tem uma grande parcela majoritária de auto-didatas. As pessoas não investem em si própria profissionalmente e o publico não investe em busca do desconhecido por falta de curiosidade ou preguiça mental. Tudo é tão duro, dificil que ocidadão não quer fazer nada.

Até porque não existem muitas valvulas de escape no Brasil, principalmente quando é necessário sair do lugar comum. E por isso é gritante, pois quem viajou e estudou no estrangeiro tem um destaque na cena profissional, o que convenhamos pode ser uma convenção rasa para atingir êxito. Isso não é regra, mas é recorrente e mostra a nossa limitação de dialogos em algumas areas, principalmente quando se falam em novas linguagens comtemporâneas.

“A arte vem de uma espécie de condição experimental na qual alguém faz experiências com o viver.” – John Cage

Eu quero ver o que me surpreende e se possível replicá-las.

Muitas vezes as únicas coisas que me surpreendem não cabem dentro do que eu sou, do que eu faço. Não importa, continuo a manter uma linha reta e coerente, mesmo que a tendência possa indicar outra direção. Nada se compara à experiência em si, mesmo que exista toda uma facilidade para acessar qualquer tipo de conteúdo na web. A minha maior obsessão são pelas experiências multissensoriais, isso que me para e isso que busco nas minhas realizações.

O Festival Multiplicidade não para nunca, esta é minha intenção, gerar cadeia de pensamento, trocar com os gestores culturais, conscientizar a nova geração para novas portas, participar de intercambios, entrar na academia, no entretenimento e ir muito alem, mais ou menos como a zona digital que está sempre se retro-alimentando. Quero fazer e oferecer um universe inusitado para nós fazedores culturais – toda a equipe que são os co-autores do festival: os gestores, os produtores, os burocráticos, os políticos, os empresários, os jornalistas, o publico, os técnicos e os artistas.

Ninguem é menos ou mais nesta equação complicadérrima e isso eu só tenho clareza depois de todas as armadilhas, sucessos e decepções dos 8 anos de vida dos meus 21 anos de carreira. Cada um tem um papel crucial para as coisas existirem e não morrerem.

Adoro escutar ideias e projetar algo que jamais foi realizado.

Se isso será um trabalho pessoal ou se adentrará no festival, não importa. Não importe quem assine, mas que se realize.

É claro que assistir a espetáculos, viajar,conversar, debater, ruminar e mudar meus pensamentos me enriquecem, mas a minha maior carência aqui no Brasil é a regularidade de projetos com qualidade. Falo de regularidades de 10 anos no minimo, de 20 anos e se possivel mais. Assim como Panorama de Dança(RJ) e como Video Brasil(SP) em que é possivel enxergar a formação de uma geração se beneficiando deste cardápio cultural. Interromper é desperdício, muitas vezes estupidez a médio e longo prazo porque ficamos semi-analfabetos.

É preciso ter continuidade e formação de todos os alicerces que geram a cultura.

Não podemos abrir mão de formação profissional e artística; de um calendário cultural nacional e, para concluir, incentivar a pesquisa (talvez esse último esteja intrinsecamente ligado aos dois outros).

Já conquistamos um espaço importante, mas ainda há muito o que percorrer, principalmente no aspecto de formação de público e convergências científicas.

Pouca prática gera fórmulas viciosas e limitações artísticas. Ou eventos efêmeros.

As possibilidades experimentais da arte e tecnologia são infinitas. A vocação cultural de nosso país é tão rica que certamente poderia geraruma pioneira e grande transformação social, isso é de um valor de transformação incomensurável.

“A cultura não é uma estrutura definida e cristalizada, mas um processo, um fluxo contraditório. A cultura é sinônimo de transformação, de invenção, de fazer e refazer, de ação e reação, uma teia contínua de significados e significantes que nos envolve a todos, e que será sempre maior do que nós, por sua extensão e sua capacidade de nos abrigar, surpreender, iluminar e — por que não? — identificar.” Gilberto Gil.

Tudo vai mudar, porque não será possível viver impassível sem amadurecer e como disse o escritor Guimarães Rosa: “Viver é etcétera…”

Batman Zavareze

Diretor/ Curador artístico do Festival/

Director/ Artistic curator of the Multiplicidade_Image_Som_inusitados festival