O festival é um percurso que só vale quando é percorrido

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Por Batman Zavareze.

Fotos Batman Zavereze e Elisa Mendes.

Nesta temporada fui chamado de cacique, maestro, globetrotter, louco e há poucos dias como um cara que produz e faz. Que faz mesmo. Todas as classificações citadas acima foram feitas por pessoas que respeito e escuto. Esta percepção me instigou a escrever esta análise final da temporada, ou melhor, um desabafo de alguém que está totalmente embrenhado – da gestão a curadoria – por trás desta cena.

No último sábado, 11 de novembro, encerramos a temporada 2017 do Festival Multiplicidade mais intenso dos nossos 13 anos de vida. Um ano contaminado por um baixo astral sem fim, mas por incrível que pareça, tínhamos um cenário super positivo ao nosso redor e o festival voou em céu de brigadeiro.

Numa das apresentações, o jornalista Carlos Albuquerque (para mim, Calbuque), convidado para investigar, com olhar crítico, através de seus textos, todas as nossas experiências do ano, me perguntou, ainda atordoado ao sair do teatro do Oi Futuro Flamengo após a performance “Máquina – Parte I” de Gabriela Mureb, se aquele tinha sido o momento mais radical de nossa história.

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Hesitei, ainda com olhos ardidos do gás carbônico emitido pelos 20 motores que funcionaram como uma orquestra de rumores, numa espécie de deferência contemporânea a Luigi Russolo. Não consegui responder de bate-pronto porque passou um filme na minha mente, ao revés e acelerado, um time lapse de tudo o que tinha sido feito da criação do festival até ali.

Screen Shot 2017-11-16 at 12.08.29 PMO Multiplicidade surgiu em 2005, com performances inéditas, quinzenais, de maio a dezembro. No centro cultural, ele deu início a um diálogo de muitas possibilidades híbridas, que seriam atravessadas pela tecnologia. Promoveu encontros inusitados, cumprindo um papel plural e pioneiro, misturando linguagens que até então pouco se cruzavam, revelando ao público o papel da multiplicidade nas artes, quando ninguém ainda falava dessa sobreposição como regra artística.

Desde então, foram mais de 800 artistas de todo o mundo, mais de 300 performances, cerca de 70 mil pessoas presentes nas apresentações, 14 aparições no exterior, 11 livros editados, sete prêmios nacionais e internacionais, uma série no Canal Brasil que atingiu um milhão de pessoas e, por fim, três teses de mestrado e doutorado que tiveram o festival como tema de pesquisa. Somos e fomos um impacto na cidade, no público, na economia criativa e na cena artística ao longo de 13 anos continuados.

Por isso, balancei na resposta, porque, no fundo, sabia que radical é ter coragem para fazer um festival no Rio e no Brasil.

Em “2025”, ou melhor, em 2017, para o público e imprensa, o festival começou no dia 07 de outubro e durou “somente” 35 dias de atividades ininterruptas. Não é pouco, mas um festival com a ambição do Multiplicidade opera o ano inteiro, nunca para. Ele começa na conceituação, na captação, nas pesquisas, nas viagens, nas residências artísticas (este ano passamos 20 dias em agosto no Xingu com 15 artistas e produtores convidados), na convocação de artistas, na formação de equipe, nas burocracias, etc e etc.

Nossa loucura, utopia, resistência, insistência e romantismo artístico fazem com que ele comece muito antes do início oficial.

Nessa dinâmica, minha função como curador é um pouco mais profunda porque eu idealizei o festival que descrevo aqui. Mesmo sabendo de sua dimensão como plataforma artística para a cidade, ele é, na verdade, como um filho.

Por isso a carga emocional das decisões sempre é movida por extremos, seja na alegria, na loucura, na paixão, nos acertos e nos fracassos. Costumo dizer para a equipe mais antiga e já automatizada aos costumes de realização que precisamos ser mais curiosos com as fórmulas conquistadas para subverter o modelo da gestão do próprio festival. E aos mais novos, aos calouros da equipe, digo que preciso ser surpreendido e por isso, peço e incentivo que tomem o risco de executar e de errar para aprendermos sempre.

Este ano, tínhamos o norte conceitual do BARULHO. Queríamos estimular a nossa escuta e enxergar melhor o que está ao nosso redor, em meio às distopias do mundo atual e junto às muitas metáforas surgidas quando pensamos em “fazer barulho”

Para ajudar a consolidar essa idéia, nos apropriamos da poesia concreta de Lenora de Barros e Raul Mourão, com design de Marcelo Pereira.  E ela passou a marcar o festival, com um vídeo piscando em negativo e positivo: OBARULHOÉVISUAL / OBAGULHOÉVISUAL.

Na estreia, tivemos a Quasi-Orquestra, com músicos sinfônicos virtuosos desafiados a tocar, de forma fragmentada, pelos oito andares do Oi Futuro Flamengo.  Provocada pela orquestra durante uma interpretação furiosa da imortal “Carmina Burana”, a plateia reagiu, indignada, com um coro de “Fora Temer”.

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Em seguida o coletivo oculto Manifestação Pacífica subiu o tom com a panfletagem do pior do Brasil, numa instalação performática sobre os nossos políticos.

A primeira atração estrangeira foi o francês Alex Augier, com “_nybble_”, uma performance-escultura-instalação com projeções holográficas sincronizadas com um potente som eletrônico.

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Com a chegada dos Kuikuros – resultado de uma residência artística iniciada antes do início do festival, com uma visita à sua aldeia, no Alto Xingu -, nós “perdemos o chão”. Não me conformava em fazer um festival no Brasil, com multiplicidade no nome, sem uma ocupação legítima de artistas indígenas.  E eles vieram como uma força da natureza, com seus rituais, suas linguagens, sua música e sua dança. A magia ficou completa com a instalação de realidade virtual “Xingu Ensemble”, de Clelio de Paula.

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Sem parar o bonde, artistas brasileiros residentes – DMTR e Fabiano Mixo – viveram uma imersão de construção colaborativa do que seria apresentado em diferentes momentos dentro do festival. Essa exposição do processo coletivo resultou em “Tempestade Midi”, de DMTR, “Mulher sem bandolim”, de Mixo.

Em paralelo às atrações principais, criamos uma residência artística no térreo do centro cultural ao longo de toda temporada. Foi um espaço inspirado na obra “Tropicália”, de Hélio Oiticica, que mais parecia um aquário de ideias e criações multicoloridas. Nesse local, chamado de Multi_Lab, aconteceram instalações, debates, workshops com brasileiros (incluindo os dez indígenas Kuikuros que estiveram conosco no festival) e estrangeiros, e também algumas performances singulares chamadas carinhosamente de QUEPORRAÉESSA?!!!

Então foi a vez de Gabriela Mureb, que chegou pedindo máscaras contra ingestão de gás carbônico, 20 motores barulhentos e um rigor de uma orquestra mecânica. “Máquina -Parte I” foi, definitivamente, nosso momento mais inusitado e – por que não dizer? – radical.

E como se já não estivesse suficientemente intenso, bateu uma ansiedade muito forte quando partimos para a Zona Portuária, ao Éden e a Utopia, nos últimos dias do festival. Conosco, vieram artistas do Sri Lanka, Itália, Espanha, Índia, Canadá, França, Inglaterra, Holanda, Estados Unidos e, claro, Brasil. Nomes que frequentam os maiores festivais internacionais de arte e tecnologia. A vanguarda audiovisual contemporânea em nossa culminância. Era como se tivéssemos pescado um pirarucu – o melhor e mais desejado peixe de nossos almoços na aldeia dos Kuikuros – e posto a mesa para o deleite do respeitável público.

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Começamos o Ocupa_Porto no Éden com “Avalanche”, o filme de Carlos Casas, que foi remixado ao vivo por artistas sonoros como Chelpa Ferro e Neil Leonard e Nikhil Uday Singh, ambos da Berklee College. Ainda nesta noite, Nado Leal fez um DJ set com sons pop eletrônicos da ásia central. Foi uma introdução para o dia seguinte, quando aconteceria a maior ocupação física do festival.

A programação desenhada não era nada popular. Era uma viagem ousada a vários lugares do mundo, tudo dentro de um armazém apropriadamente chamado Utopia.

Num espaço monumental para 4.000 pessoas, propomos algo para “somente” um grupo seleto de mil pessoas. Criamos uma house mix, que chamávamos de “Apollo”, para controlar e enxergar onde a luz deveria ser valorizada. Vídeos e sons funcionaram como um balé imersivo, no qual público e artistas seriam parte do mesmo jogo. Montamos um aparato para comandar uma ópera de um dia só.

Cansado da travessia e sem a menor chance de recuar, confesso que veio uma nuvem de pessimismo, seguido por um lapso de insegurança, pouco antes de abrirem os portões, afinal, todos os eventos possíveis e gratuitos aconteciam no mesmo sábado. Mas quem faz um festival sabe que, no fundo, “o que a vida quer da gente é CORAGEM”, frase de Guimarães Rosa que me persegue. Ao lembrar dela, minha chave mental apontou para uma única seta. VAI SER INESQUECÍVEL!!

Novamente o “BARULHO/ BAGULHO”, de Lenora de Barros e Raul Mourão, foi presente, projetado em duas telas enormes. Na sequência, o DJ francês Coni nos conduziu por sons e texturas contemplativas até a chegada do tão aguardado artista canadense Martin Messier. Em “Field”, ele criou um nervoso teatro de sombras com uma estrutura de peças e campos magnéticos, algo difícil de reproduzir em palavras. Teatro moderno digital.

Logo depois, Paul Jebanasam e Tarik Barri mostraram sua hipnótica performance audiovisual “Continuum AV”.  Alguns corajosos sentaram e viajaram naquela densa abstração.

A partir dali, a energia só subiria, com o Looping: Bahia Overdub (numa coapresentação com o Festival Panorama), depois com o Ninos du Brasil e, por fim, com a Vizinha Faladeira. Dub, punk e samba, todos afinados e conduzidos pela animação. As portas de saída do armazém foram abertas às 3h. Como um cortejo de carnaval, todos saíram atrás da bateria da escola até o porto maravilha.

Foram dez línguas faladas ao longo de 35 dias, desde a residência no Xingu até aquela Utopia. Depois de tantas vivências inesquecíveis, é preciso dizer: Obrigado / Thank you  / Merci / Grazie / Gracias/ Aingo Hegüei / Graciès / Bedankt  / Stutiyi / Dhanyavaad.

E a última frase cantada no Armazém da Utopia apontou para o nosso próximo alvo: “Como será o amanhã?”

Em 2018, começaremos nossa pesquisa justamente sob a regência do AMANHÃ.

Ainda ecoando tudo que fizemos, parto na próxima semana para participar do encerramento da Bienal de Veneza, seguindo depois para o Festival de Live Cinema Fotônica, em Roma, e para uma visita rápida ao centro de arte digital ZKM, em Karshule. Tudo para pesquisar o nosso novo tema.

Até AMANHÃ!!!

Batman Zavareze

Festival Multiplicidade

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Na despedida, sons, imagens e danças inusitadas numa rave para os sentidos

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Por Carlos Albuquerque

Depois do Éden, a Utopia. Ao ocupar o porto no derradeiro momento de sua programação de 2017, o Multiplicidade se expandiu em busca de uma nova harmonia. Como expansões de universos são fenômenos baseados em relatividades, foi uma noite de sínteses e avanços, de batucadas e beats, de trovões metálicos e chuvas de lava digital, de vazios e cheios, de estática e dança, de tensão e prazer, de silêncio e distorção. O Armazém transformado, nem sempre plenamente, numa rave para os sentidos.

Na chegada, ecos do passado. Numa montagem do DJ e produtor Nado Leal, o enorme espaço, iluminado por uma intrigante luz vermelha, dava reverberação a samples das atrações anteriores do festival: a anti-sinfonia da Quasi-Orquestra, o canto dos Kuikuro, a eletrônica de Alex Augier etc. A provocante instalação fotográfica “Você pode me ouvir?”, de Elisa Mendes, que confrontava imagens do evento com o barulho de tiros na ocupada favela da Rocinha, e a poesia visual de Lenora de Barros (em parceria com Raul Mourão), piscando em toda parte, completavam a hipnose da recepção.

Com sensibilidade, o francês Coni – primeira atração da noite – manteve o clima, construindo um set abstrato, mais de texturas do que de grooves. Depois, no palco instalado na outra extremidade do armazém, começou o terremoto de baixa intensidade criado pelo artista canadense Martin Messier ao deslocar suas placas eletrônicas. Deixando fluir seu passado de baterista punk, ele batia nos pedaços de metal com fios em vez de baquetas, gerando uma série de ruídos residuais, completados por um giro incessante de sombras. O veneno da lata em performance.

O show sensorial prosseguiu com a combinação de Paul Jebanasam (Sri Lanka) e Tarik Barri (Holanda). Já uma experiência transcendental nos fones de ouvido, o álbum “Contiuum”, de Jebanasam, explode como um vulcão na versão audiovisual, criada por Barri, expelindo uma chuva de lava digital no telão. Por instantes, pareceu que “o olho que tudo vê”, de Tolkien, tinha aportado ali, enfeitiçando todos os presentes.

Então veio o despertar.

Fazendo do chão o seu palco, o Looping: Bahia Overdub deu um reboot na noite, com um arrepiante mix de poesia, ativismo e dança. Iniciada sem muito alarde, como uma simples roda de dança, a performance do grupo – que atuou como um sound system ambulante, com MC, DJ e caixas de som iluminadas – foi crescendo aos poucos até se transformar numa catarse coletiva, ao som de axé, trap e funk, deixando um rastro de corpos suados pelo caminho, entre eles o do DJ Coni, que pôde ser visto se acabando atrás do multitrio elétrico.

Com a ingrata tarefa de seguir esse desfile, os Ninos Du Brasil retomaram o palco com energia punk. Sem o mesmo balanço do LBO, a dupla – disfarçada com máscaras e pinturas – fez o seu discurso com força, repassando o delirante álbum “Vida eterna” em alta intensidade, no momento mais próximo de um show de rock de toda a noite. Seu batuque industrial combinou, de passagem, com a entrada em cena da tradicional escola Vizinha Faladeira. Através dela, o enredo, o conjunto, a harmonia, as alegorias, os adereços e a fantasia de 36 dias de sons e imagens inusitados acabaram em samba.

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Do colchão ao topo do mundo com ‘Avalanche’, de Carlos Casas

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Por Carlos Albuquerque

A calorenta noite de sexta na Gamboa parecia seguir o seu ritmo normal. Pelas ruas em torno da Pedra do Sal, o insinuante vai vem dos corpos era embalado por uma roda de samba e pelas caixas de som dos ambulantes. Na barraca Salgados da Pretinha, o apetite de locais e visitantes era combatido através do cardápio bilíngüe. Tinha bolinhos (“cookies”) de aipim com carne seca (“casserole with dried meat”) e de aipim com carne moída (“casserole with ground beef”), e também salgados (“salty”) como coxinha de frango com catupiry (“coxinha of the chicken with catupiry”), enroladinho de salsicha (“sausage curl”) e kibe (“kibe”). Ali pertinho, dentro do Éden, o clima era outro, era de montanha. E as pessoas estavam com a cabeça nas nuvens.

Filme-instalação do artista espanhol (de Barcelona) Carlos Casas, “Avalanche” – apresentado na ocupação do Multiplicidade – era o responsável por essa troca de ares. A sinopse era compacta: uma obra em progresso sobre o vilarejo de Hichigh, localizado nas Montanhas Pamir (uma das mais altas do mundo), no Tajiquistão, prestes a se transformar em uma cidade fantasma. Mas, na prática, “Avalanche” se estende para muito além das palavras. A documentação de Casas – que desde 2009 viaja regularmente ao local – é invisível. Em vez do tradicional formato jornalístico – de conversas e contextualização –, seu olhar não traz perguntas, nem respostas. Ele apenas está lá – presente, imóvel, imperceptível, em longas e reflexivas tomadas, seja da rotina das poucas pessoas presentes no local ou da imponente natureza que o cerca.

De formato flexível, o projeto foi apresentado no festival como uma instalação, sem e com intervenções sonoras. Na primeira parte, fixou-se em práticas rotineiras no vilarejo – o aldeão esmagando grãos com uma pedra, a mulher andando com baldes, os dois homens mexendo o carvão de um forno etc. Jogadas no enorme colchão em frente ao telão, as pessoas se desligavam, por alguns minutos, da hiperatividade diária e adentravam o plano meditativo aberto por Casas, num breve momento de inspiração e expiração profunda, sem a ânsia de cliques e likes. O tempo em suspensão. O barulho-ruído do cotidiano. John Cage, novamente, presente entre nós.

Na segunda parte, “Avalanche” se expandiu, estimulado pelas intervenções de Neil Leonard e Nikhil Uday Singh, e do Chelpa Ferro. Dessa vez, o protagonista foi o meio ambiente – a neve, as nuvens, os vales e as montanhas de Hichigh –, contrastando com o sax espacial de Leonard e com a cortina sônica do Chelpa. Equilibrado entre a poesia e a provocação, o barulho ali foi visual. Ou, como diria a Salgados da Pretinha, “the stuff was visual”.

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Em seu terceiro álbum, “Vida eterna”, a dupla italiana Ninos Du Brasil embaralha samba, techno e vampirismo num batuque de matar

Screen Shot 2017-11-09 at 9.20.15 AMPor Carlos Albuquerque

Italianos e bem grandinhos, Nico Vascellari e Nicolò Fortuni são, curiosamente, os Ninos Du Brasil. E eles têm baquetas nas mãos e os dentes cravados na realidade. Em seu terceiro álbum, “Vida eterna”, os dois seguem subvertendo ritmos e estéticas a todo volume, casando batucada e techno sob as bênçãos do punk e das artes visuais. Nas oito estrondosas faixas do disco (que tem participação de Arto Lindsay), anarquizam também a narrativa, com títulos em português (com a ajuda do tradutor do Google) e uma surreal história sobre vampiros que sugam a energia vital das pessoas em uma floresta misteriosa. É o Nightmare Team do passinho.

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Vascellari e Fortuni costumam dizer que nasceram em Queimada Grande, uma ilha “perdida” em São Paulo, de acesso proibido, onde mora a serpente mais venenosa do mundo (de fato, o local existe e é conhecido como Ilha das Cobras). A verdade é só um pouco menos divertida: vindos do interior da Itália, os dois tinham uma banda punk chamada With Love, no final dos anos 90. Ninos Du Brasil era o nome de uma provocativa performance que faziam antes dos shows do With Love, uma espécie de bloco dos dois sozinhos, para ver quem realmente estava no local para ver a banda. “A ideia era simplesmente perturbar as pessoas”, admitiu Vascellari em recente entrevista ao site “Factmag”.

Mas tudo deu maravilhosamente errado. Aos poucos, o NDB passou a chamar mais a atenção do que o With Love (que chegou a gravar pelo selo GSL, de Omar Rodriguez, do Mars Volta) e acabou por engolir a banda principal. Foi melhor assim. Passados dez anos, os Ninos se firmaram como um transgressor ato musical/visual, famoso pelas incendiárias apresentações, tanto em palcos tradicionais como em squats e galerias de arte. Além dos álbuns anteriores, “Muito NDB” (2012) e “Novos mistérios” (2014, que traz uma faixa chamada “Sepultura”, em homenagem à banda mineira), chegaram a lançar um single, “Aromobates”, pelo selo DFA Records, de James Murphy, do LCD Soundsystem.

“Vida eterna” – que tem capa desenhada pela artista britânica Marvin Gaye Chatwynd – segue o baile com fogo e paixão. De “O vento chama o seu nome”, faixa de abertura, a “Vagalumes piralampos”, a única com vocal, que fecha o disco, a fúria sônica dos Ninos é alimentada por uma paleta percussiva, que inclui desde peças tradicionais (cuíca, surdo, prato etc) até objetos como garrafas, cilindros de gás e pedaços de madeira. Tudo embalado por texturas metálicas e vocais abstratos, criando o transe industrial perfeito para a dança dos vampiros e de outros mortos-vivos. Ou como profetizou Assis Valente em “Brasil pandeiro”, canção de 1940, imortalizada pelos Novos Baianos no clássico “Acabou chorare” de 1972: “Há quem sambe diferente noutras terras, outra gente/Num batuque de matar”.

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PROGRAMAÇÃO COMPLETA:

Ocupa Porto Armazém da Utopia

Armazém 6, Orla Conde, s/n. Parada do VLT: Utopia/AquaRio.

Horários: 19h e 21h40m (Lenora de Barros e Raul Mourão), 19h30m (DJ Coni), 21h (Martin Messier), 22h (Paul Jebanasam e Tarik Barri), 22h40m (Looping: Bahia Overdub), 24h (Ninos Du Brasil), 1h (Vizinha Faladeira).

Classificação etária: Livre.

Entrada: Gratuita.

Local sujeito à lotação.

Saiba mais: http://bit.ly/MX2025_UTOPIA

Encerramento do festival com atrações sortidas e conteúdos transversais.

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É a noite da grande expansão do Multiplicidade 2017. Celebração do ano em que o festival promoveu o barulho – fosse ele poético, visual , sonoro ou tudo isso junto – e buscou novas formas de comunicação em tempos de ruído,  o Ocupa Porto Armazém da Utopia reúne atrações sortidas e conteúdos transversais. Num lugar de nome tão apropriado – afinal, fazer um festival num país em crise nada mais é do que uma utopia -, chega-se ao ápice de uma programação que, ao longo de pouco mais de um mês, despertou sentidos adormecidos, promoveu diálogos inusitados e estimulou o pensamento mais profundo de nossa cena artístico-cultural.

A ocupação terá abertura da obra que permeou todo o evento, “O BARULHO É VISUAL / O BAGULHO É VISUAL” da artista, poeta e concretista Lenora de Barros, com a participação do artista plástico Raul Mourão. E a noite seguirá pulsando com o som do DJ francês Coni, com o encontro entre a música de Paul Jebanasam (Sri Lanka/ Inglaterra) e a  videoarte de Tarik Barri (Holanda) na performance “Continuum AV”;  com o espetáculo de ruídos e luzes “Field”, de Martin Messier (Canadá), com os movimentos coreográfico cruzados do Looping: Bahia Overdub, com o punk percussivo e colorido do duo italiano Ninos do Brasil e, por fim, com o batuque da venerável  escola de samba Vizinha Faladeira, fechando o utópico ano de…2025.

Artista visual e poeta paulistana, formada em linguística pela USP, Lenora de Barros utiliza em suas obras diversos recursos como o vídeo, a fotografia e a instalação. Seu celebrado trabalho está no acervo de diferentes coleções particulares e públicas, como no Museu D’Art Contemporani, de Barcelona, na Espanha, e no Museu de Arte Moderna de São Paulo e do Rio de Janeiro.  Em dois momentos da noite, Lenora vai apresentar  “O BARULHO É VISUAL / O BAGULHO É VISUAL” – obra marco do Multiplicidade 2017 – ao lado artista plástico Raul Mourão, cujo trabalho  engloba também “desenhos, gravuras, pinturas, esculturas, vídeos, fotografias, textos, instalações e performances”, como descreve seu site.

Figura de renome no cenário eletrônico underground francês, o DJ  Coni  (Nicolas Olier) define seu trabalho como “música noturna com uma estética estranha”.  Ele lançou seu primeiro EP em 2011, pelo selo local ClekClekBoom em 2011. Desde então, vem transitando entre estilos como house, techno, garage e bass music, sem nunca se prender a nenhum deles.

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Ex-baterista de bandas punk na adolescência e hoje apaixonado por Radiohead, eletroacústica e free jazz, o músico, compositor e artista multimídia canadense  Martin Messier  é formado em composição eletroacústica pelas universidades de Montreal, no Canadá, e de Montfort, na Inglaterra.  O interesse pelas artes gráficas fez com que ele explorasse a relação entre som e imagem. É esse mesmo interesse que o inspira a compor música para dança e teatro.  Messier vem criando projetos individuais e parcerias através dos quais ele desenvolve e experimenta performances eletroacústicas híbridas.  Um dos seus projetos de maior repercussão foi a  a Sewing Machine Orchestra, com a qual cria um espetáculo audiovisual a partir dos ruídos de oito antigas máquinas de costura.  Em “Field” , sinais residuais e imperceptíveis , colhidos com microfones especiais, aliados a duas placas eletrônicas, são a matéria prima de uma performance de ruídos e luzes. 

Apresentada pela primeira vez no Brasil e também na América do Sul,  “Continuum AV” é uma performance conjunta de Paul Jebanasam (Sri Lanka) e Tarik Barri (Holanda), a partir do álbum de mesmo nome, lançado por Jebanasam em 2016, repleto de melodias fragmentadas.  Eles já se apresentaram juntos em festivais como Semibreve (Portugal), Mutek (Canadá), Sonic Acts (Holanda) e Atonal (Alemanha).

Radicado em Bristol, na Inglaterra, depois de viver em Sydney, na Austrália, Jebanasam é produtor musical e diretor do selo Subtext . Tem dois álbuns lançados, “Music for The Church of St. John The Baptist” (2012) e “Rites” (2013), influenciados pela música clássica litúrgica, além de dark ambient e metal.

Barri passou por escolas de arquitetura e psicologia até encontrar sua vocação, estudando sound design composição na Escola de Música e Tecnologia de Utrecht.  Ele já participou dos mais importantes festivais internacionais de novas mídias como CTM (Alemanha), Sonar (Espanha) e Unsound (Polônia) e  realizou colaborações audiovisuais com nomes como  Radiohead e Flying Lotus, entre outros.

“Looping: Bahia overdub” é uma plataforma de investigação que se desdobra em formatos distintos. O espetáculo promove movimentos coletivos de tensão e distensão, inspirados nas contradições da cultura baiana. A criação é colaborativa de Felipe de Assis (diretor teatral, produtor cultural e curador em artes cênicas), Leonardo França (artista residente no Cem, centro em movimento, em Lisboa, e na Casa Hoffmann, em Curitiba) e Rita Aquino (doutora em Artes Cênicas, mestre e especialista em Dança pela UFBA, onde leciona) faz parte de uma colaboração curatorial com o Festival Panorama que realiza sua 26ª edição em 2017. Suas práticas interdisciplinares articulam criação, produção, pesquisa, formação e curadoria em diferentes contextos de atuação.

Podendo assumir o caráter de espetáculo, instalação ou festa, Looping: Bahia overdub reúne criadores independentes de dança, teatro e música da capital baiana. A trilha, executada ao vivo, traz referências da cultura afro-brasileira, como o afoxé dos Filhos de Gandhi; da música popular (samba-reggae), e sonoridades urbanas diversas. Potentes caixas de som são ao mesmo tempo elementos cênicos, objetos de pesquisa coreográfica e aparelhos de transmissão sonora.

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Nico Vascellari e Nicolò Fortuni são os Ninos Du Brasil, uma dupla de percussão italiana com um fundo em arte visual. Através da sua aptidão com a bateria, fundem as influências aparentemente díspares do punk, techno tribal e batucada, emergindo com um verdadeiramente singular. Eles já lançaram três álbuns:  “Muito N.D.B.” (2012), “Novos mistérios” (2014) e “Vida eterna” (2017). Seu currículo inclui apresentações em festivais como Berlin Atonal (Alemanha), Unsound (Polônia) e Primavera (Espanha).

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Uma das mais antigas escolas de samba do Brasil, a Vizinha Faladeira surgiu no Rio, em 1932, no Santo Cristo, zona portuária. Foi uma das primeiras agremiações a usar enredos internacionais, apresentar carros alegóricos em seus desfiles e ter uma comissão de frente. Suas cores são o azul, vermelho e branco. No carnaval de 2018, na série B, a escola vai homenagear o criador Paulo Barros.

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PROGRAMAÇÃO COMPLETA:

Ocupa Porto Armazém da Utopia

Armazém 6,  Avenida Rodrigues Alves, Cais do Porto.

Horários:  19h e 21h40m (Lenora de Barros e Raul Mourão), 19h30m (DJ Coni), 21h (Martin Messier), 22h (Paul Jebanasam e Tarik Barri), 22h40m (Looping: Bahia Overdub), 24h (Ninos Du Brasil), 1h (Vizinha Faladeira).

Classificação etária: Livre
Entrada: Gratuita.
Local sujeito à lotação

Saiba mais/ LINK Facebook: https://goo.gl/6oXtaH

 

 

Live cinema de Carlos Casas é destaque do Ocupa Porto Éden

Vem chegando a hora do estrondo final. Depois de fazer barulho em diversas formas – da desconstrução sinfônica da Quasi-Orquestra, ao canto tribal dos Kuikuro, das ondas espaciais de Dimitre Lima à revoada sensorial de Alex Augier – o Multiplicidade 2017 se desloca para a zona portuária, a caminho do encerramento, mantendo seu perfil plural. No Ocupa Porto Éden, que acontece nesta sexta-feira, o destaque é o cinema ao vivo do artista espanhol (de Barcelona) Carlos Casas, com o instigante projeto “Avalanche”. A noite vai ter também intervenções sonoras dos convidados especiais Neil Leonard e Nikhil Uday Singh (ambos da prestigiosa Berklee College of Music, dos EUA), e do grupo multimídia Chelpa Ferro. O DJ Nado Leal completa a escalação, com uma carga de ritmos inusitados das periferias da ásia central.

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Iniciado em 2009, em colaboração com o compositor norte-americano Phil Niblock (que já trabalhou com Thurston Moore e Lee Ranaldo, do Sonic Youth). “Avalanche” retrata o desaparecimento do vilarejo de Hichigh, no Tajiquistão, que está prestes a se transformar em uma cidade fantasma. Meditativo e transcendental, o trabalho de Casas se tornou um projeto em aberto – capaz de ser apresentado em mais de um formato – e continuará a rodar e se expandir enquanto existir vida na cidade, localizada nas Montanhas Pamir, chamadas de “o teto do mundo”. Essa não é a primeira visita do catalão ao Rio. Ele já se apresentou no Multiplicidade em 2011, com a trilogia “End”, com a participação do Chelpa Ferro. Casas assinou também a direção do documentário “Rocinha – Daylight of a favela”, de 2003, que buscou mostrar o local sem os estereótipos de violência e crime.

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Professor e diretor artístico do Instituto de Artes Interdisciplinares de Berklee, Neil Leonard começou na música como saxofonista, mas viu seu trabalho florescer com o advento dos computadores pessoais, nos anos 80, abrindo-se para instalações,companhias de dança e cineastas. Já teve trabalhos apresentados no Carnegie Hall (EUA), na Bienal de Tel Aviv (Israel), no Museu Reina Sofia (Bulgária) e no Auditorium di Roma (Itália). Colaborou com músicos como Marshall Allen (da cultuada Sun Ra Arkestra) e Jamaaladeen Tacuma.

Professor adjunto na Berklee College of Music, Nikhil Uday Singh é guitarrista, compositor, produtor musical e engenheiro de som, tendo já produzido, gravado, mixado e remasterizado gravações para diversos artistas e bandas. Além disso, ele próprio já produziu e apresentou diferentes tipos de música eletrônica. Nikhil Uday Singh trabalha também com projetos de realidade aumentada e já atuou como DJ no celebrado festival Moogfest, de música, arte e tecnologia, realizado na Carolina do Norte, EUA.

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Reunido pela primeira vez em 1995, numa edição do CEP 20.000, o Chelpa Felpa é formado por Luiz Zerbini, Barrão e Sergio Mekler. “Quando começamos, a gente estava a fim de tocar guitarra e fazer barulho”, disse Barrão ao “Globo”, dez anos depois. O grupo é conhecido por suas experiências com música eletrônica, esculturas e instalações tecnológicas, em apresentações ao vivo e exposições. Ao longo de sua trajetória, apresentou diferentes trabalhos em diversos formatos: objetos, instalações, vídeos, performances, apresentações de palco e também álbuns (o mais recente é “Ruim”, de 2016).

Produtor musical e DJ, Nado Leal começou na rádio Cidade FM nos anos 90 e já trabalhou em gravadoras como Sony e Warner. Um dos nomes mais requisitados da noite do Rio, ele já tocou em festas como Bailinho, Jazz Ahead, Black Friday, Afro Rio e Volume. Versátil, participou também de eventos como Rock in Rio 3, Tim Festival, Skol Beats, Chemical Music, Fashion Rio, Back2Black e Vivo Open Air.
Ocupa Porto_Éden – Rua Sacadura Cabral, 109.

Horário: 20h às 00h
Performances a partir das 21h
Classificação etária: Livre
Entrada: Gratuita.
Local sujeito à lotação.
Saiba mais/ LINK Facebook: https://goo.gl/PihjXz

Gabriela Mureb conduz uma provocante sinfonia de máquinas

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Texto de Carlos Albuquerque. Fotos de Elisa Mendes.

O motor Honda, modelo GX 160, é um produto de força.  Monocilíndrico, funciona em quatro tempos, o que proporciona maior economia de combustível.  Tem 5,5 CV (Cavalo-Vapor) de potência e rotação de 3600 rpm. Pesa 15 kg e possui sistema de partida elétrico e manual.  Seu vício é a gasolina. Em pleno funcionamento, arrota monóxido de carbono (CO), um gás incolor, inodoro e bastante perigoso devido à sua toxidade.  Normalmente, é usado em equipamentos de construção civil, em equipamentos agrícolas e em karts. No sábado passado, no Multiplicidade, no Oi Futuro Flamengo, com replay no domingo, o GX-160 ganhou uma utilidade inesperada, transformando energia mecânica em arte, na performance “Máquina – Parte I”, de Gabriela Mureb.  Foi, possivelmente, a experiência mais radical – e, felizmente, não explosiva – de todos os 13 anos do festival.

A “máquina” de Gabriela mexeu com os humanos presentes antes mesmo de começar a funcionar. Afinal, todo mundo espera alguma coisa de um sábado à noite, mas não precisar assinar um documento assumindo a responsabilidade de participar de uma experiência de risco. A razão de tanta precaução estava dentro do teatro: vinte motores GX-160, enfileirados, como uma ameaçadora orquestra de metal. Eles iriam “solar”, ligados, durante aproximadamente 20 minutos, tempo limite para a segurança de todos. Para assistir ao espetáculo, realizado num lugar fechado, seria preciso usar uma máscara de proteção contra gases tóxicos e óculos especiais. E a entrada seria pela saída de emergência. Desavisados, nem todos ali estavam preparados para serem tão sacudidos assim por meros motores estacionários (nome técnico do GX-160).

Na entrada do teatro, bombeiros e seguranças conversavam, com as sobrancelhas levantadas, e olhares de preocupação. Uma pessoa da produção, ao saber de véspera do que se tratava, acordou no sábado com herpes, de tanta ansiedade. Ela não deve ter melhorado quando um funcionário passou pelo café carregando uma maca. Para não entrar no clima, resolvi me distrair olhando o manual do GX-160 pelo celular. E estacionei nas instruções de segurança.

“Os gases do escapamento contêm monóxido de carbono. Nunca funcione o motor estacionário em uma área fechada. Certifique-se que o local possui boa ventilação”.

Mesmo assim, todos nós respiramos fundo e entramos.  Cada cadeira continha uma máscara e um par de óculos. Rapidamente, as 43 disponíveis ficaram ocupadas por clones de “Bane”, o vilão vivido por Tom Hardy, em “Batman – O cavaleiro das trevas ressurge”. Sentado ao meu lado, meu amigo já começou a suar frio e olhar para a saída (perto de onde estávamos, na última fila). Não demorou muito e Gabriela surgiu em frente aos motores (cada um deles com um nível de combustível) e começou a disparar um a um, como se estivesse dando partida em uma lancha.

Em poucos minutos, todos os vinte aparelhos – ativados com um novo significado – passaram a produzir um barulho mecânico, repetitivo, “tocado” por correias, velas, filtros, porcas e válvulas. A sensação provocada por aquela estranha sinfonia era de sufoco, alimentada pelo ar carregado e por tristes lembranças de câmaras de gás e suicídios em garagens. Arte extrema, pensamentos idem. A experiência proporcionada por Gabriela era o oposto da onda macia e psicodélica de “Tempestade Midi”, instalação apresentada por Dimitre Lima, há uma semana, no mesmo local. Sua trip era bad, um aperto no pescoço.

Fora de cena, ou talvez, sem saber, parte dela, meu amigo saiu de fininho, batido pela claustrofobia. Outras pessoas seguiram o mesmo caminho, um deles cambaleando e apoiado por um bombeiro. Com os olhos ardendo, tentei resistir, não muito bravamente, até o final.  Quando comecei a lacrimejar, apertei o botão de “arrego” e me encaminhei para a saída. Ainda parei nas escadas e vi um pouco do final da performance, com as máquinas se desligando em sequência até o ruído derradeiro. E o silêncio, enfim.

Do lado de fora, o cenário era apocalíptico. O bar estava fechado e não havia mais ninguém no local. O cheiro de combustível impregnava todo o prédio. No terraço, que funcionava como área de recuperação, as conversas tinham um riso nervoso. Uma mulher relaxava numa cadeira, fumando um cigarro e liberando 6.700 substâncias químicas no ar. O clima não era de lounge. Contaminado e arrebatado por “Máquina – Parte I”, tinha que ir embora rapidamente. A gang da Honda tinha dominado o pedaço. E eu era só gasolina.

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A hipnotizante instalação ‘Mulher sem bandolim’, de Fabiano Mixo, celebra e confronta a obra centenária de Pablo Picasso

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Fotos: Elisa Mendes

Imponente por natureza, a figura da atriz alemã Miriam Goldschmidt (1947-2017) se agiganta digitalmente na tela, hipnotizando o observador de “Mulher sem bandolim”, premiado filme do artista multimídia e cineasta Fabiano Mixo. Apresentado como instalação no Multiplicidade durante a semana passada, em frente a um enorme colchão cheio de almofadas, o trabalho celebra e confronta uma obra produzida há mais de um século, “Menina com bandolim” (1910), de Pablo Picasso.

Definido pelo autor como um filme cubista, “Mulher sem bandolim” mostra como as formas geométricas e a fragmentação da imagem, características desse movimento, se adaptam muito bem à arte digital e às realidades virtuais abertas por ela. “Confronto o contexto europeu do original com influências africanas e com o vigor da cultura negra. É sobre a reapropriação do que foi apropriado”, explica Mixo.

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Pátio de experimentações do festival, o colorido Multi_Lab fez um barulho todo particular

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Fotos: Elisa Mendes, Juliana Chalita e Batman Zavareze

Nascido dentro do colorido Muti_Lab, o QUEPORRAÉESSA?!!! foi batizado quando uma criança curiosa olhou para dentro da instalação translúcida, repleta de artistas, criações e produções colaborativas, localizada no térreo do Oi Futuro Flamengo, e disparou essa pergunta/exclamação.

– Como era meu filho, Luca Zava, eu disse imediatamente que palavrão não vale num centro cultural, somente no “Maraca” – explica Batman Zavareze. – Luca replicou, automaticamente, falando que tudo junto é uma expressão de um youtuber. E, segundo ele, aquilo era poesia.

Assim, ao longo de três semanas, o QPEE foi como se Multiplicidade abrisse o seu código e se revelasse um pouco por dentro.

– Foi uma tentativa de criar uma camada de conteúdos que ultrapassasse o palco.  Foi nossa válvula de escape, nosso pátio de experimentações, o X-TUDO do Multi_Lab -– completa Batman.

No local, aconteceram atividades variadas, como debates sobre arte digital – reunindo nomes como Alex Augier (França), Jéssica Roude(Argentina), Clelio de Paula, Dimitre Lima e Giuliano Obici – e também palestras – como a fascinante apresentação de Ferdinand Saumarez (Inglaterra), da Factum Foundation, sobre técnicas de digitalização de áreas culturais ameaçadas. O espaço sediou também uma mesa-redonda sobre “prática cultural em tempos de distopia”, mediada por Marta Porto e com participações de Mariana Várzea, Jair de Souza, Renato Saraiva, Batman, Luciana Modé e Lena Cunha (as duas últimas em vídeo-conferência).

O QPEE teve também uma encantadora aula de karib, o idioma dos Kuikuro, dada por Yamalui Kuikuro, um dos nove integrantes daquela comunidade que estiveram no Rio para participar do festival. E, por fim, como o assunto é barulho, rolaram ali férteis sessões de improvisos musicais, com Marcelo Magdaleno,  Luizinho Salles e Ken Kondo (Japão) e o grupo VOIA.

– Isso tudo foi fundamental para mostrar a nossa abrangência – resume Batman.

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