FESTIVAL MULTIPLICIDADE e o VINIL BARULHO

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O Multiplicidade sempre fez jus ao nome. Ao longo dos seus 14 anos de vida, o festival de imagens e sons inusitados, dirigido por Batman Zavareze, já se transformou em livro de arte (foram dez), teses de mestrado (em três estados do país) e até em uma série de televisão (no Canal Brasil). Agora, ele se desdobra em um novo formato: o vinil, com o lançamento de um disco com sons registrados na sua mais recente edição. A peça, com edição limitada, vem assinada pelos DJs e produtores Nado Leal e Calbuque.

“Sendo um festival que traz no seu nome imagens e sons inusitados, confesso que tinha sempre em meu radar o sonho de um dia produzir um vinil” – explica Zavareze. –  “Um objeto de arte que tivesse a mesma importância do livro em nossa história, ser uma obra artística que resgate em nossa memória a experiência do festival.”

A oportunidade de transformar esse sonho em acetato surgiu em 2017, quando o barulho foi o tema central do festival. O evento teve a participação de artistas da França, Itália, Canadá, Espanha, Sri Lanka e, claro, do Brasil, incluindo dez representantes da comunidade Kuikuro, no Xingu, como resultado de um intercâmbio promovido pelo festival, em parceria com o People’s Palace Projects, dirigido pelo britânico radicado no Brasil, Paul Heritage, com o centro de pesquisa britânico da Queen Mary University of London, com a Associação Indígena Kuikuro do Alto Xingu (AIKAX) e com o Núcleo de Estudos em Economia Criativa e da Cultura (NECCULT/UFRGS).

Foram dias e noites intensos, com experimentações musicais e visuais inesquecíveis.  Tivemos a videoarte de Tarik Barri (Holanda) na performance “Continuum AV”; o espetáculo de ruídos e luzes “Field”, de Martin Messier (Canadá); o minimalismo digital de Alex Augier (França) em “_nybble_” e a performance arrebatadora da Quasi-Orquestra. Presenciamos o cinema sensorial de Carlos Casas (Espanha), ao lado do Chelpa Ferro, com intervenções de Neil Leonard e Nikhil Uday Singh; uma instalação do coletivo Manifestação Pacífica e o virulento show do Ninos du Brasil (Itália). Curtimos também o desfile coletivo do Looping: Bahia Overdub, a música desafiadora do DJ Coni (França) e as obras de DMTR, Fabiano Mixo e Gabriela Mureb.

“Pudemos explorar e investigar o som com especial atenção como jamais havíamos pensado. Tivemos dez diferentes línguas de países que representaram a multiplicidade e riqueza de nosso line up” – conta o curador. –“ Coletamos sons com gravações de campo do Xingu e com os barulhos do público na abertura. Registramos também todas as performances durante o festival.” 

Depois de organizar todos esses sons e registros, o festival convidou Nado Leal e Calbuque, com suas vivências como DJs, para criar um remix livre e pessoal do que aconteceu na temporada 2017 do Multiplicidade. O resultado é uma peça nova, única, (re)criando camadas hipnóticas e poéticas com um novo corpo sonoro. Lado A (Nado), lado B (Calbuque).

“Poder trabalhar e reorganizar artistas como Carlos Casas, Chelpa Ferro , Alex Augier, Dmtr, entre outros, foi provocador”  – admite Nado. – “Mas aos poucos foi nascendo essa faixa ininterrupta, às vezes lúdica, em outras brutal e incômoda.”

“Foi um desafio que me pegou de surpresa e me estimulou muito” – conta Calbuque. – “Vi todas as apresentações do festival e sabia o contexto exato de cada som que tinha nas mãos. O que busquei foi re-contextualizar aquelas células musicais e tentar criar algo novo, sem perder o sentido de experimentação que marcou o festival. Foi um meticuloso trabalho de arquitetura sonora.”

Com o trabalho finalizado, o design recebeu um cuidado todo especial, com a direção de arte da Bold°_a design company, comandado por Leo Eyer. O resultado foi uma edição luxuosa com capa dupla, com encarte gráfico especial, com fotos em páginas duplas e uma bolacha em acrílico vermelha.

“É mais um registro e um documento histórico de uma longa caminhada. Regando a arvore que não para de crescer e gerar novos frutos.” – resume Batman Zavareze.

Ouça aqui:

Na despedida, sons, imagens e danças inusitadas numa rave para os sentidos

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Por Carlos Albuquerque

Depois do Éden, a Utopia. Ao ocupar o porto no derradeiro momento de sua programação de 2017, o Multiplicidade se expandiu em busca de uma nova harmonia. Como expansões de universos são fenômenos baseados em relatividades, foi uma noite de sínteses e avanços, de batucadas e beats, de trovões metálicos e chuvas de lava digital, de vazios e cheios, de estática e dança, de tensão e prazer, de silêncio e distorção. O Armazém transformado, nem sempre plenamente, numa rave para os sentidos.

Na chegada, ecos do passado. Numa montagem do DJ e produtor Nado Leal, o enorme espaço, iluminado por uma intrigante luz vermelha, dava reverberação a samples das atrações anteriores do festival: a anti-sinfonia da Quasi-Orquestra, o canto dos Kuikuro, a eletrônica de Alex Augier etc. A provocante instalação fotográfica “Você pode me ouvir?”, de Elisa Mendes, que confrontava imagens do evento com o barulho de tiros na ocupada favela da Rocinha, e a poesia visual de Lenora de Barros (em parceria com Raul Mourão), piscando em toda parte, completavam a hipnose da recepção.

Com sensibilidade, o francês Coni – primeira atração da noite – manteve o clima, construindo um set abstrato, mais de texturas do que de grooves. Depois, no palco instalado na outra extremidade do armazém, começou o terremoto de baixa intensidade criado pelo artista canadense Martin Messier ao deslocar suas placas eletrônicas. Deixando fluir seu passado de baterista punk, ele batia nos pedaços de metal com fios em vez de baquetas, gerando uma série de ruídos residuais, completados por um giro incessante de sombras. O veneno da lata em performance.

O show sensorial prosseguiu com a combinação de Paul Jebanasam (Sri Lanka) e Tarik Barri (Holanda). Já uma experiência transcendental nos fones de ouvido, o álbum “Contiuum”, de Jebanasam, explode como um vulcão na versão audiovisual, criada por Barri, expelindo uma chuva de lava digital no telão. Por instantes, pareceu que “o olho que tudo vê”, de Tolkien, tinha aportado ali, enfeitiçando todos os presentes.

Então veio o despertar.

Fazendo do chão o seu palco, o Looping: Bahia Overdub deu um reboot na noite, com um arrepiante mix de poesia, ativismo e dança. Iniciada sem muito alarde, como uma simples roda de dança, a performance do grupo – que atuou como um sound system ambulante, com MC, DJ e caixas de som iluminadas – foi crescendo aos poucos até se transformar numa catarse coletiva, ao som de axé, trap e funk, deixando um rastro de corpos suados pelo caminho, entre eles o do DJ Coni, que pôde ser visto se acabando atrás do multitrio elétrico.

Com a ingrata tarefa de seguir esse desfile, os Ninos Du Brasil retomaram o palco com energia punk. Sem o mesmo balanço do LBO, a dupla – disfarçada com máscaras e pinturas – fez o seu discurso com força, repassando o delirante álbum “Vida eterna” em alta intensidade, no momento mais próximo de um show de rock de toda a noite. Seu batuque industrial combinou, de passagem, com a entrada em cena da tradicional escola Vizinha Faladeira. Através dela, o enredo, o conjunto, a harmonia, as alegorias, os adereços e a fantasia de 36 dias de sons e imagens inusitados acabaram em samba.

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Do colchão ao topo do mundo com ‘Avalanche’, de Carlos Casas

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Por Carlos Albuquerque

A calorenta noite de sexta na Gamboa parecia seguir o seu ritmo normal. Pelas ruas em torno da Pedra do Sal, o insinuante vai vem dos corpos era embalado por uma roda de samba e pelas caixas de som dos ambulantes. Na barraca Salgados da Pretinha, o apetite de locais e visitantes era combatido através do cardápio bilíngüe. Tinha bolinhos (“cookies”) de aipim com carne seca (“casserole with dried meat”) e de aipim com carne moída (“casserole with ground beef”), e também salgados (“salty”) como coxinha de frango com catupiry (“coxinha of the chicken with catupiry”), enroladinho de salsicha (“sausage curl”) e kibe (“kibe”). Ali pertinho, dentro do Éden, o clima era outro, era de montanha. E as pessoas estavam com a cabeça nas nuvens.

Filme-instalação do artista espanhol (de Barcelona) Carlos Casas, “Avalanche” – apresentado na ocupação do Multiplicidade – era o responsável por essa troca de ares. A sinopse era compacta: uma obra em progresso sobre o vilarejo de Hichigh, localizado nas Montanhas Pamir (uma das mais altas do mundo), no Tajiquistão, prestes a se transformar em uma cidade fantasma. Mas, na prática, “Avalanche” se estende para muito além das palavras. A documentação de Casas – que desde 2009 viaja regularmente ao local – é invisível. Em vez do tradicional formato jornalístico – de conversas e contextualização –, seu olhar não traz perguntas, nem respostas. Ele apenas está lá – presente, imóvel, imperceptível, em longas e reflexivas tomadas, seja da rotina das poucas pessoas presentes no local ou da imponente natureza que o cerca.

De formato flexível, o projeto foi apresentado no festival como uma instalação, sem e com intervenções sonoras. Na primeira parte, fixou-se em práticas rotineiras no vilarejo – o aldeão esmagando grãos com uma pedra, a mulher andando com baldes, os dois homens mexendo o carvão de um forno etc. Jogadas no enorme colchão em frente ao telão, as pessoas se desligavam, por alguns minutos, da hiperatividade diária e adentravam o plano meditativo aberto por Casas, num breve momento de inspiração e expiração profunda, sem a ânsia de cliques e likes. O tempo em suspensão. O barulho-ruído do cotidiano. John Cage, novamente, presente entre nós.

Na segunda parte, “Avalanche” se expandiu, estimulado pelas intervenções de Neil Leonard e Nikhil Uday Singh, e do Chelpa Ferro. Dessa vez, o protagonista foi o meio ambiente – a neve, as nuvens, os vales e as montanhas de Hichigh –, contrastando com o sax espacial de Leonard e com a cortina sônica do Chelpa. Equilibrado entre a poesia e a provocação, o barulho ali foi visual. Ou, como diria a Salgados da Pretinha, “the stuff was visual”.

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Gabriela Mureb conduz uma provocante sinfonia de máquinas

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Texto de Carlos Albuquerque. Fotos de Elisa Mendes.

O motor Honda, modelo GX 160, é um produto de força.  Monocilíndrico, funciona em quatro tempos, o que proporciona maior economia de combustível.  Tem 5,5 CV (Cavalo-Vapor) de potência e rotação de 3600 rpm. Pesa 15 kg e possui sistema de partida elétrico e manual.  Seu vício é a gasolina. Em pleno funcionamento, arrota monóxido de carbono (CO), um gás incolor, inodoro e bastante perigoso devido à sua toxidade.  Normalmente, é usado em equipamentos de construção civil, em equipamentos agrícolas e em karts. No sábado passado, no Multiplicidade, no Oi Futuro Flamengo, com replay no domingo, o GX-160 ganhou uma utilidade inesperada, transformando energia mecânica em arte, na performance “Máquina – Parte I”, de Gabriela Mureb.  Foi, possivelmente, a experiência mais radical – e, felizmente, não explosiva – de todos os 13 anos do festival.

A “máquina” de Gabriela mexeu com os humanos presentes antes mesmo de começar a funcionar. Afinal, todo mundo espera alguma coisa de um sábado à noite, mas não precisar assinar um documento assumindo a responsabilidade de participar de uma experiência de risco. A razão de tanta precaução estava dentro do teatro: vinte motores GX-160, enfileirados, como uma ameaçadora orquestra de metal. Eles iriam “solar”, ligados, durante aproximadamente 20 minutos, tempo limite para a segurança de todos. Para assistir ao espetáculo, realizado num lugar fechado, seria preciso usar uma máscara de proteção contra gases tóxicos e óculos especiais. E a entrada seria pela saída de emergência. Desavisados, nem todos ali estavam preparados para serem tão sacudidos assim por meros motores estacionários (nome técnico do GX-160).

Na entrada do teatro, bombeiros e seguranças conversavam, com as sobrancelhas levantadas, e olhares de preocupação. Uma pessoa da produção, ao saber de véspera do que se tratava, acordou no sábado com herpes, de tanta ansiedade. Ela não deve ter melhorado quando um funcionário passou pelo café carregando uma maca. Para não entrar no clima, resolvi me distrair olhando o manual do GX-160 pelo celular. E estacionei nas instruções de segurança.

“Os gases do escapamento contêm monóxido de carbono. Nunca funcione o motor estacionário em uma área fechada. Certifique-se que o local possui boa ventilação”.

Mesmo assim, todos nós respiramos fundo e entramos.  Cada cadeira continha uma máscara e um par de óculos. Rapidamente, as 43 disponíveis ficaram ocupadas por clones de “Bane”, o vilão vivido por Tom Hardy, em “Batman – O cavaleiro das trevas ressurge”. Sentado ao meu lado, meu amigo já começou a suar frio e olhar para a saída (perto de onde estávamos, na última fila). Não demorou muito e Gabriela surgiu em frente aos motores (cada um deles com um nível de combustível) e começou a disparar um a um, como se estivesse dando partida em uma lancha.

Em poucos minutos, todos os vinte aparelhos – ativados com um novo significado – passaram a produzir um barulho mecânico, repetitivo, “tocado” por correias, velas, filtros, porcas e válvulas. A sensação provocada por aquela estranha sinfonia era de sufoco, alimentada pelo ar carregado e por tristes lembranças de câmaras de gás e suicídios em garagens. Arte extrema, pensamentos idem. A experiência proporcionada por Gabriela era o oposto da onda macia e psicodélica de “Tempestade Midi”, instalação apresentada por Dimitre Lima, há uma semana, no mesmo local. Sua trip era bad, um aperto no pescoço.

Fora de cena, ou talvez, sem saber, parte dela, meu amigo saiu de fininho, batido pela claustrofobia. Outras pessoas seguiram o mesmo caminho, um deles cambaleando e apoiado por um bombeiro. Com os olhos ardendo, tentei resistir, não muito bravamente, até o final.  Quando comecei a lacrimejar, apertei o botão de “arrego” e me encaminhei para a saída. Ainda parei nas escadas e vi um pouco do final da performance, com as máquinas se desligando em sequência até o ruído derradeiro. E o silêncio, enfim.

Do lado de fora, o cenário era apocalíptico. O bar estava fechado e não havia mais ninguém no local. O cheiro de combustível impregnava todo o prédio. No terraço, que funcionava como área de recuperação, as conversas tinham um riso nervoso. Uma mulher relaxava numa cadeira, fumando um cigarro e liberando 6.700 substâncias químicas no ar. O clima não era de lounge. Contaminado e arrebatado por “Máquina – Parte I”, tinha que ir embora rapidamente. A gang da Honda tinha dominado o pedaço. E eu era só gasolina.

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A hipnotizante instalação ‘Mulher sem bandolim’, de Fabiano Mixo, celebra e confronta a obra centenária de Pablo Picasso

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Fotos: Elisa Mendes

Imponente por natureza, a figura da atriz alemã Miriam Goldschmidt (1947-2017) se agiganta digitalmente na tela, hipnotizando o observador de “Mulher sem bandolim”, premiado filme do artista multimídia e cineasta Fabiano Mixo. Apresentado como instalação no Multiplicidade durante a semana passada, em frente a um enorme colchão cheio de almofadas, o trabalho celebra e confronta uma obra produzida há mais de um século, “Menina com bandolim” (1910), de Pablo Picasso.

Definido pelo autor como um filme cubista, “Mulher sem bandolim” mostra como as formas geométricas e a fragmentação da imagem, características desse movimento, se adaptam muito bem à arte digital e às realidades virtuais abertas por ela. “Confronto o contexto europeu do original com influências africanas e com o vigor da cultura negra. É sobre a reapropriação do que foi apropriado”, explica Mixo.

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Pátio de experimentações do festival, o colorido Multi_Lab fez um barulho todo particular

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Fotos: Elisa Mendes, Juliana Chalita e Batman Zavareze

Nascido dentro do colorido Muti_Lab, o QUEPORRAÉESSA?!!! foi batizado quando uma criança curiosa olhou para dentro da instalação translúcida, repleta de artistas, criações e produções colaborativas, localizada no térreo do Oi Futuro Flamengo, e disparou essa pergunta/exclamação.

– Como era meu filho, Luca Zava, eu disse imediatamente que palavrão não vale num centro cultural, somente no “Maraca” – explica Batman Zavareze. – Luca replicou, automaticamente, falando que tudo junto é uma expressão de um youtuber. E, segundo ele, aquilo era poesia.

Assim, ao longo de três semanas, o QPEE foi como se Multiplicidade abrisse o seu código e se revelasse um pouco por dentro.

– Foi uma tentativa de criar uma camada de conteúdos que ultrapassasse o palco.  Foi nossa válvula de escape, nosso pátio de experimentações, o X-TUDO do Multi_Lab -– completa Batman.

No local, aconteceram atividades variadas, como debates sobre arte digital – reunindo nomes como Alex Augier (França), Jéssica Roude(Argentina), Clelio de Paula, Dimitre Lima e Giuliano Obici – e também palestras – como a fascinante apresentação de Ferdinand Saumarez (Inglaterra), da Factum Foundation, sobre técnicas de digitalização de áreas culturais ameaçadas. O espaço sediou também uma mesa-redonda sobre “prática cultural em tempos de distopia”, mediada por Marta Porto e com participações de Mariana Várzea, Jair de Souza, Renato Saraiva, Batman, Luciana Modé e Lena Cunha (as duas últimas em vídeo-conferência).

O QPEE teve também uma encantadora aula de karib, o idioma dos Kuikuro, dada por Yamalui Kuikuro, um dos nove integrantes daquela comunidade que estiveram no Rio para participar do festival. E, por fim, como o assunto é barulho, rolaram ali férteis sessões de improvisos musicais, com Marcelo Magdaleno,  Luizinho Salles e Ken Kondo (Japão) e o grupo VOIA.

– Isso tudo foi fundamental para mostrar a nossa abrangência – resume Batman.

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A Tempestade Midi, de DMTR, deixou uma onda de placidez em sua passagem

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Texto: Carlos Albuquerque | Vídeo: Glauber Vianna | Fotos: Elisa Mendes

A previsão do tempo para o fim de semana passado na cidade do Rio de Janeiro foi de céu encoberto, ventos quentes do quadrante norte, pancadas de chuva ocasionais e temperatura média em torno de 24 graus. No festival Multiplicidade, no Oi Futuro Flamengo, os dias foram marcados por uma singular convergência de nuvens de arte e tecnologia, provocada pelo artista digital Dimitre Lima (DMTR), batizada de “Tempestade Midi”. A formação desse fenômeno eletrônico – que deixou várias pessoas momentaneamente desabrigadas da realidade – pôde ser acompanhada ao longo da semana.

Durante três dias e três noites, DMTR se instalou no teatro do local, criando as condições ideais para a “Tempestade Midi”. E em vez de fechar o tempo, abriu seu processo criativo para a visitação pública. Numa bancada, instalou computador, sintetizador analógico (Korg Minilogue), monitores, pedais, circuitos e demais ferramentas. Pelo espaço, espalhou oito triângulos de LED, cada um deles com uma programação individual, oriundos da obra “Estilhaço”, que apresentou em São Paulo, meses atrás. Alguns visitantes, desatentos, entravam no teatro e se retiravam rapidamente em busca de abrigo, como se não quisessem atrapalhar o trabalho. Outros, mais ligados, se postavam no local e acompanhavam, atentos, as correntes midi ganhando força, como se fossem caçadores de tempestades artísticas.

– Achei interessante colocar esse processo completamente aberto. Foi algo diferente pra mim, nunca tinha experimentado isso. Algumas pessoas ficaram acuadas, achando que não podiam atrapalhar, mas, no geral, foi muito interessante a reação delas – disse DMTR, durante a semana.  – Pra mim, o processo é parte do resultado.  Sempre que estou construindo alguma coisa, já estou tendo ideias para outras coisas, num processo cíclico, uma coisa sempre influenciando a outra. Nesse sentido, “Tempestade Midi” é uma continuação ou mesmo uma evolução de “Estilhaço”, que era um trabalho mais contemplativo. “Tempestade” também tem um processo automático, mas está aberta a participações, a ter algo performático.

De fato, quando a instalação ficou pronta, no fim de semana, ela pôde ser curtida, inicialmente, de forma mecânica. Era só se jogar num dos sofás do teatro e ouvir os suaves loops musicais criados por DMTR estimulando as sequências de luzes e cores nos triângulos. Mas ela ganhou força sensorial mesmo quando ele recebeu o reforço de fontes externas, com a participação, ao vivo, de Gab Marcondes, na flauta, e de Nico Spinoza (assistente de direção do festival), no baixo elétrico, para uma longa sessão de improviso. Juntos, os três atuaram como brisas marítimas dentro da agitação, construindo hipnóticas bases instrumentais, que remontavam ao trabalho de artistas como Date Palms, Tim Hecker e Marielle V. Jakobsons. O mantra pareceu atingir, indistintamente, crianças e adultos presentes ao local, levando todos a um fugaz espaço fora da realidade.  E, ao final, a cidade que costuma saudar o pôr do sol, aplaudiu a passagem da tempestade midi e a placidez que ela despejou sobre nós.

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TEMPESTADE MIDI – DMTR from Festival Multiplicidade on Vimeo.

 

A hipnótica instalação “Xingu Ensemble” fecha uma semana de intensas emoções com os Kuikuros no Rio

XINGU KUIKUROS from Festival Multiplicidade on Vimeo.

Por Carlos Albuquerque

Estive na aldeia Ipatse, da comunidade Kuikuro, no Alto Xingu, algumas vezes, eu acho. Na primeira vez, extasiado, fiquei apenas girando em torno de um integrante que, no meio da mata, com a mão levantada, parecia sinalizar alguma coisa. Ouvi também uma voz, serena e firme, contando, na língua karib, uma bela história sobre caça, amizade, companheirismo, vida e morte, tendo ao fundo os mais variados sons da floresta. Na segunda vez, já à vontade, mas ainda sob encanto, circulei mais. Adentrei a mata, fui para a esquerda e para a direita, para frente e para trás. Vi mais kuikuros espalhados pelo caminho –  alguns em fila, outros num círculo. Passei por dentro de uma oca e vi os locais trabalhando em alguma coisa. Foi da terceira vez em diante, porém, que  a viagem se tornou mais longa,  intensa e poética.  Solto na aldeia, rastejei pela terra como uma cobra, subi nas árvores como um macaco e voei como um gavião-real por cima de oito ou nove kuikuros sentados, lado a lado, em algum tipo de reunião.

E quando estava olhando as estrelas, pronto para beijar o céu, alguém me cutucou e avisou que meu tempo tinha acabado. Tirei os óculos de Realidade Virtual e os fones de ouvido e despertei. Minha experiência com a  “Xingu Ensemble” tinha acabado e estava de volta ao teatro do Oi Futuro Flamengo, de onde nunca tinha saído, eu acho.

Realizada no sábado e no domingo passados, a instalação interativa criada pelo xamã digital Clelio de Paula – um hipnótico e imersivo diorama em 3D, reproduzindo áreas da aldeia visitada por ele – foi um mágico encerramento para uma semana de volumosas emoções com a presença de nove integrantes da comunidade Kuikuro no Rio durante o festival Multiplicidade, resultado de uma parceria artística sugerida por Takumã Kuikuro, um dos mais ativos integrantes daquela comunidade, e produzida pelo People´s Palace Projects, da Inglaterra.

Como se tivessem sido disparadas pela “Xingu Ensemble”, as lembranças desse encontro – capturadas ao longo de três dias de agitada programação  – ressurgem, agora, como flashbacks multicoloridos de som surround.

Vejo os kuikuros se pintando, todos juntos, numa das salas da produção. Ouço a fala forte do cacique Jacalo Kuikuro contra os desmandos do trôpego governo federal (“Por isso, dizemos ‘Fora Temer, Anta fica’”), durante a apresentação do projeto com os curadores-residentes Gringo Cardia, Marcus Faustini, Jailson de Souza e Batman Zavareze. Volto à  aula de karib com Yamalui Kuikuro e clico na escrita que ele deixou no quadro (Konilope=passado, Andongo=presente, Kogetsingoingo=futuro). Assisto à fascinante palestra do britânico Ferdinand Saumarez, da Factum Foundation, sobre técnicas de digitalização de áreas culturais ameaçadas e o uso dessa avançada tecnologia no Xingu. Tenho uma surpresa com a presença do antropólogo e ex-presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes, iluminado e cenograficamente postado no meio da plateia, para um bate papo com Paul Heritage (da PPP) sobre a situação dos povos indígenas no Brasil. Me encanto com a apresentação de todo o grupo, cantando e dançando, na noite final.  E, por fim, reparo em Tuiuia Kuikuro, já sem os trajes típicos, na porta do prédio, esperando a van para ir embora,  vestindo uma camiseta com os dizeres “I (coração) Rio” e com o celular quase caindo para fora do bolso da bermuda.

Quando volto ao teatro para mais uma imersão na “Xingu Ensemble”, encontro Takumã, que resume o que sinto com uma frase certeira.

– Isso tudo parece um sonho, né?

Parece.

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XINGU ENSEMBLE – CLELIO DE PAULA from Festival Multiplicidade on Vimeo.

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O Xingu em mim, Por Batman Zavareze

Diários do Xingu e uma longa reflexão no caminho de volta para casa

Fotos de Batman Zavareze, Gringo Cardia e Marcia Farias

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Sol e lua

Ainda com a pele vermelha de urucum misturada com a poeira do barro fino que entra e não sai da gente, começo as 36 horas da longa jornada de volta para casa.

A ardência na pele me faz lembrar o tempo todo as indescritíveis visões do sol: exibicionista, redondo e quente, nascendo e se pondo no horizonte.

Quando o sol recuava, a lua no lado oposto, nascia, igualmente gigante e amarelada.

Uma beleza sem dimensão, em contraponto a uma natureza bruta e árida, tudo ao mesmo tempo.

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Onças

Sempre cercado por onças, tucanos, maritacas, antas, tatus, veados, piranhas e jacarés que algumas vezes se exibiam para nós, com câmeras na mão desesperados por uma foto, outras vezes desapareciam quando piscávamos os olhos, ariscos que só.

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Internet

Quando o gerador ligava por volta das 7 da noite por eternos e imaginários poucos minutos, era hora de corrermos para o posto médico, onde também coabitava a “lan House” da aldeia. Hora de ver a vida pelo WhatsApp, único meio de comunicação que funcionava para escutar notícias do mundo “civilizado”. Hora de se inteirar dos últimos escândalos do Brasil “oficial” e matar as saudades.

À noite, após o momento internet, um frio rasgante e incompreensível depois de um dia insuportavelmente quente que só uma fogueira ou as cobertas aqueciam o nosso sono.

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O convite

Esta viagem com todos estes atributos exóticos só existiu porque teve um convite diferenciado de um rapaz especial, o Takumã Kuikuro, direcionado para o inglês mais carioca que conheço, Paul Heritage. Assim, iniciamos uma nova relação de trocas entre estes dois mundos, urbano e indígena, que foi muito além do consumo de artesanatos ou o simples turismo em uma aldeia.

Faz dois anos que me emocionei com a proposta que estava sendo aplicada num fundo inglês através da People’s Palace Projects em parceria com o Festival Multiplicidade e outras instituições cariocas. Mesmo envolvido e ciente desde o início, não dimensionava o impacto que me causaria.

O projeto foi crescendo e acabou por trazer numa primeira viagem ao Xingu em maio de 2017 uma equipe do canal BBC.

Os ingleses vieram com tecnologias avançadas da Factum Foundation e usaram ferramentas como drones e scanners 3D em imagens e sons.

Posteriormente, de 26 de agosto a 15 de setembro do mesmo ano, entraram além do Festival Multiplicidade, o Observatório de Favelas (Jailson da Silva), a Spetaculu (Gringo Cardia), Redes da Juventude (Marcus Faustini) e os artistas residentes ligados a cada uma destas instituições.

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Takumã

Mas Takumã defendia uma ambição simbólica ainda maior; começar uma série de residências artísticas ampliadas onde os conhecimentos dos povos do Xingu, especialmente os Kuikuros, abrissem novas conexões através das artes para o mundo.

Sem imposições dos homens “brancos” para a aldeia, muito pelo contrário, a intenção é fazer um diálogo cuidadoso e construído coletivamente para enxergar as poéticas e pesquisas que sejam feitas em mão dupla.

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O temor

Existe na aldeia dos Kuikuros o temor do uso excessivo de celular, internet, tvs, roupas de grife e motocicletas, itens presentes na vida deles igual está na nossa. O que pode parecer perigoso para alguns se transforma numa provocação pela reflexão nos indígenas mais sábios que lembram da época que introduziram de forma radical o anzol, o facão, a panela de alumínio no cotidiano. Isso gerou uma enorme mudança de hábitos.

Cada ferramenta nova, tecnologia ou impactos de nosso tempo quando implementadas sem o pensamento crítico contam com uma certa irreversibilidade em nossas vidas. Uma das formas de se manter sempre acesa a chama da identidade da aldeia dos Kuikuros é definitivamente a língua, como os líderes me disseram.

Assim, mesmo que o conceito de um povo intacto seja uma perspectiva romântica, manter a língua preservada é de uma força inestimável.

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O mundo

Os Kuikuros tomaram o mundo. Da sua aldeia saiu um cineasta formado na Escola Darcy Ribeiro do Rio de Janeiro e premiado nos mais importantes festivais do planeta, o Takumã. Além disso, outras pessoas de seu povo ingressaram em renomadas universidades do Rio e de São Paulo: são professores, radialistas, líderes e políticos, que em paralelo não abandonam cargos ancestrais e hierárquicos na aldeia como caciques, pajés e guerreiros.

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Eu

Eu já havia estado em aldeias no início dos anos 2000 como fotógrafo documentarista quando fui a algumas tribos da Amazônia (inclusive conheci os famosos Xavantes) mas estar com os Kuikuros e pescar no Rio Xingu em pleno 2017 foi a realização de um antigo sonho.

Viajei com a ansiedade e a vontade de investigar como se fosse a minha primeira vez numa aldeia.

Partilhei momentos especiais com os nove artistas residentes  selecionados, com a equipe de produção da PPP e com o “cacique” inglês Paul Heritage. Tive também profundas conversas com o artista Marcus Faustini e o intelectual Jailson de Souza, meus companheiros de caminhadas e mergulhos diários.

Eu saio desta experiência maior, com a paixão e a generosidade de um povoado que te oferece tudo antes mesmo de saber o que eu tinha para oferecer em troca.

Valorizo ainda mais questões básicas de minha vida diante de tanta precariedade na infraestrutura e tamanha sabedoria dos Kuikuros para contornar as adversidades com criatividade.

Esta viagem, real e utópica, mexeu com a minha mente, minha alma, meu tempo, minhas prioridades, minha imaginação e minha saúde.

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O Festival Multiplicidade

De 17 a 22 de outubro, 9 Kuikuros estarão no Festival Multiplicidade completando um ciclo, vivendo a residência artística agora ao revés, no Rio de Janeiro. A CasaRio, em Botafogo, será sua Oca na cidade maravilhosa.

Durante uma semana eles irão visitar o Pão de Açúcar, a praia de Copacabana, o Cristo Redentor, o Festival do Rio (este foi um pedido de todos), a favela da Maré e se apresentarão durante 3 dias no Oi Futuro com palestras, debates, oficinas e performances de suas culturas.

Fecharemos uma primeira etapa e a flecha lançada das residências artísticas Kuikuro da nação Xingu estarão abertas agora para o mundo, com uma Oca sede construída e trazendo práticas, metodologias, processos e criações.

Viva o Xingu!!!!

Festival Multiplicidade 2025, de 07 de outubro a 11 de novembro de 2017.

O Xingu em mim.

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Como um ilusionista, Alex Augier comanda a revoada sensorial de “_nybble_”

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Por Carlos Albuquerque.

Foi uma ilusão bem poderosa. Postado no centro do palco do Oi Futuro Flamengo, em frente a seu equipamento, cercado por quatro telas freneticamente iluminadas, o artista francês Alex Augier pareceu se agigantar como o Dr. Manhattan, fantástico personagem da cultuada HQ “Watchmen”, de Alan Moore. Por um breve período – cerca de meia hora terrestre – ele brilhou no frio do espaço, separando e reagrupando partículas sonoras e visuais durante a sensorial experiência que é “_nybble_” (o termo significa a metade de um byte). Os pufes do local amaciaram a onda.
“Nunca pensei na idéia de parecer um mágico, mas sem dúvida há um pouco de ilusionismo em esconder parte do meu equipamento durante a performance”, me disse ele, um pouco antes da apresentação.
Mas não foram coelhos o que ele trouxe na cartola. Foram pássaros – ou melhor, a revoada deles – que serviram de inspiração para as imagens, por vezes frenéticas, por vezes plácidas, que eram projetadas, randomicamente, nos telões. Como o coletivo 1024 Architecture, também francês, Augier usa essas lâminas como se fossem portais para outras dimensões. Assim, sincronizados com os sons quadrifônicos que ele produzia em um envenenado sintetizador modular – verdadeiras rajadas eletrônicas, com subgraves em fúria – os desenhos se moldavam em formas variadas, ora parecendo partículas de um átomo, ora pontos de uma galáxia distante, ora qualquer coisa além da imaginação.
Em determinado momento do transe, sons e imagens, formas e ambiente, tudo o que era gerado/moldado através da caixa mágica de Augier parecia uma coisa só, “um objeto orgânico quase palpável”, nas palavras dele. Mas uma brisa de silêncio logo interrompeu a viagem, sinalizando o fim do espetáculo. Augier saiu da caixa, não mais parecendo um gigante com poderes sobrenaturais, e agradeceu a todos pela presença. Alheios aos aplausos, meus neurônios, super-estimulados, ficaram pedindo mais e mais. “_nybble_” me deu asas, mas metade de um byte – e de uma hora – parece ter sido pouco.


Fotos: Elisa Mendes