Dez coisas que aprendemos sobre Phill Niblock

Phill no LabSonica, onde apresentou raridades de sua coleção

Niblock no Lab Oi Futuro, onde mostrou seus filmes e apresentou raridades de sua coleção de fotos

Ele chegou devagarinho, como é de esperar de um homem de 85 anos. Aos poucos, porém, Phill Niblock – cineasta, fotógrafo e mestre Jedi dos sons minimalistas – foi se soltando. Depois de uma ruidosa performance na noite de estréia do Multiplicidade 2018, de duas palestras no Lab Oi Futuro (nas quais mostrou slides recém-descobertos de suas viagens ao Brasil nos anos 80) e de alguns papos informais, eis o que descobrimos sobre ele:

1) Só ouve jazz (quando ouve).
2) Não vai ao cinema desde os anos 70.
3) Considera John Cage seu mentor.
4) Gosta de ouvir sua música bem alta (não por acaso, os integrantes do Sonic Youth são seus fãs, o que o faz sorrir).
5) Raramente lê jornais (“A última vez acho que foi há seis meses”).
6) É amigo de Jocy de Oliveira, pioneira do trabalho multimídia no Brasil.
7) Diz estar bastante “incomodado” com a presença de Donald Trump na presidência dos EUA.
8) É formado em economia, mas nunca exerceu a profissão.
9) Não usa o celular para fotografar, mas carrega uma pequena câmera digital para registros e imagens (“Mas nada especial, só coisas triviais”).
10) É viciado em Paciência.

Uma estréia pontuada por desafios, reflexões e algum barulho

WhatsApp Image 2018-09-17 at 20.55.29Por Carlos Albuquerque

Obra em progresso gera obra em progresso. Para rebater a agressiva grandiosidade de um condomínio de três prédios que começa a ser erguido ao redor do Oi Futuro Flamengo – sufocando e abalando sua entrada principal – o arquiteto e artista plástico Pedro Varella gerou “Ações no pátio”, uma das mais instigantes atrações da estréia do Multiplicidade 2018. Subvertendo a estrutura e o conceito de uma construção em andamento – no caso, o muro escorado e o tapume instalado no local -, ele embaralhou necessidade técnica e proposta artística, realidade e imaginação, criando algo genuinamente singular. E em vez de um improvável tapete vermelho, abriu janelas, demarcou áreas de risco, aparou arestas e recebeu os convidados com um sinal vermelho de alerta que, em tempos incendiários, parecia dizer: “Centros culturais em perigo. Ressaca à vista”.

Lá dentro e também no IAB (Instituto dos Arquitetos do Brasil), outras metáforas, desafios e reflexões aguardavam quem chegava numa noite de segunda-feira de tempo instável, sujeita a chuvas e trovoadas. Na entrada, a realidade também era confrontada com a instalação de realidade virtual “Iceberg”, do artista uruguaio (radicado no Brasil) Fernando Velázquez. Uma fila se formou para adentrar o filme em 360º no qual blocos de gelo flutuam soltos em um ambiente de gravidade zero, simbolizando a conflituosa relação do homem com o ambiente.

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Um andar acima e no primeiro piso do IAB – que recebia também o lançamento do vinil “Barulho”, com sons da edição 2017 do festival -, a viagem era mais palpável, com a espetacular obra “Tape”, do coletivo croata Numen. Feito com quilômetros de fita adesiva, o concorrido trabalho penetrável fazia lembrar um enorme casulo ou uma gigantesca teia de aranha (ou ainda o ventre de um “alien”, lembraram alguns mais afeitos à ficção-científica). Os passeios pelo seu interior – três pessoas de cada vez – eram feitos em meio a uma alegria quase infantil e também uma sensação de insegurança e estranhamento. “É uma volta ao útero, só que já adulta”, resumiu uma mulher ao final da aventura.

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No teatro, a história era outra e remetia ao mote da edição anterior do festival, BARULHO, com as apresentações de Sannanda Acácia e Phil Niblock. Sannanda veio primeiro. Munida de computador, controladora, mixer e um amplificador valvulado, a artista sonora executou a obra “Aproximação”, com seu projeto Quasicrystal. Durante cerca de uma hora, ela construiu, progressivamente, uma densa paisagem de ruídos e distorções, sobrepondo texturas metálicas numa sinfonia siderúrgica, industrial, desafiadora, pontuada por flashes de luz estroboscópica. Ao final, Sannanda simplesmente saiu do palco e se sentou na platéia, sem definir um formal encerramento para a performance. Após alguns instantes de silêncio e indecisão, os aplausos vieram assombrados, nervosos, catárticos.

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Acompanhado pelo saxofonista Livio Tragtenberg, Niblock veio em seguida, na apresentação mais esperada da noite. Eminência da música de vanguarda, ele apresentou a obra audiovisual “Environments Series”, casando seus sons minimalistas com as imagens da série “The movement of people working”. Mostrando por que é venerado por artistas como Lee Ranaldo e Thurston Moore, do Sonic Youth, Niblock, de 85 anos, tocou alto, muito alto, criando um contrastante fundo musical para a plácida e repetitiva movimentação de pescadores chineses de ouriços do mar. O transe de sua ação só foi interrompido por um problema numa das caixas, que fez a performance chegar ao fim um pouco antes do previsto. Experiente com os imprevistos do meio ambiente, ele não se abalou e rumou dali, amparado por uma bengala, para um universo aparentemente mais controlado: o restaurante Lamas, onde fechou a noite.

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Fotos: Francisco Costa e Diana Sandes (Phill Niblock)

 

Caminhos de utopia, insistência e romantismo poético

Muros desabam, bairros se transformam, cidades cedem à gentrificação. Cabe a nós reinventá-las

Muros desabam, bairros se transformam, cidades cedem à gentrificação. Cabe a nós reinventá-las

“Acordar não é de dentro. Acordar é ter saída”
“Auto do Frade”, João Cabral de Melo Neto

No meio da travessia, o #MULTIPLICIDADE2018 aposta em uma fuga do espaço-tempo através da arte. Desde a Grécia Antiga, a busca por alternativas de sociedade perpassou a literatura e a arte, revelando outras narrativas: do distópico ao quimérico.

O tema ESPAÇOS UTÓPICOS norteia nossa curadoria em 2018. Em tempos nebulosos, nosso mote é o RESISTIR e o EXISTIR como únicas saídas [EXIT]. A força e visualidade destas palavras são o motor, o catalisador desta edição, pois como bem apontou o poeta Torquato Neto nos anos 70, “as palavras não são armas inúteis”. Desde sua primeira edição, o MULTIPLICIDADE é atravessado pelas reminiscências das tecnologias do passado e pelo desejo das tecnologias futuras, mas, no presente, o corpo humano ainda é o que está por trás de todas as invenções, tentando sempre resistir e buscar novas formas de existir num cenário à deriva. Muros desabam, bairros se transformam, cidades cedem à gentrificação. Cabe a nós reinventá-las, para que, através delas, possamos ressignificar paisagens imaginárias, em busca de futuros viáveis.

Neste ano, apresentamos obras que aspiram a um lugar melhor do que o aqui e agora. O line-up desta temporada é extremamente diverso, composto por artistas de diferentes horizontes e origens, e mostra como os escapes pela arte são plurais. A escolha por repertórios híbridos e indisciplinados acompanha o MULTIPLICIDADE desde sua origem. Por mais distintas que sejam suas linguagens, os trabalhos aqui reunidos são peças fundamentais num labirinto que tenta compor caminhos de utopia, insistência e romantismo poético.

Em 2018, o MULTIPLICIDADE propõe ao público outras formas de pensar, estar e habitar o espaço comum. A saída que nos move não aponta necessariamente para fora. Há saídas possíveis por entre e para dentro

Batman Zavareze
Curador do Multiplicidade

No ardente labirinto das ausências

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Por Cadu*

Uma Fênix forjou ninho em solo imperial.
Sobre as penas do uiraçu-verdadeiro, sobre Bendegó. Sobre as presas do tigre-dentes-de-sabre e sobre a pachorra da Preguiça Gigante.
Sobre as patas de Decapoda. Em casaco de intestino de foca, sobre o Rato-do-cacau, sobre o celacanto. Sha-Amun-en-su e Harsiese. Sobre Luzia.
Novamente sobre os afrescos de Pompéia. Sobre o Escudo do Uapés e sobre o Trono Daomé. Sobre a coleção Rondon. E sobre as vozes do Ilê Omolu Oxum.
Brahma, Vishnu e Shiva, Prometeu, Nhanderuvuçú e Empédocles a tudo assistiram.
Que a metalurgia se converta em arômatas curativos. Todas as cinzas, todo o desespero contemplado no limite da cegueira e da iluminação é a manifestação do clamor do tempo por renovação.
Segundo a lenda judaica, Deus escreveu as leis usando dois fogos: um branco e um negro.
Com o fogo negro, foram escritas as palavras. Com o fogo branco, os espaços entre as letras.
Durante sete mil anos, o homem lerá as palavras, mas nos próximos sete mil aprenderá a ler os espaços em branco.
Quando esse momento chegar, entenderemos o que se oculta no ardente labirinto das ausências.
O Departamento de Artes e Design da PUC-Rio demonstra tanto sua indignação quanto sua solidariedade no romper desta ainda incompreensível aurora.

* Cadu, artista plastico e professor do Departamento de Artes e Design da PUC-Rio