As formas fluidas que uniram Robin Buckley e VJ Grazzi

Robin Buckley (ou rkss) é umx artista sonora britânicx cujo trabalho desafia as categorizações, indo da música eletroacústica até os mais diversos cantos da dance music, sempre buscando explorar complexas questões sociopolíticas. Durante a parceria entre o Festival Multiplicidade e o projeto Amplify D.A.I, elx se juntou à VJ Grazzi, formada em Cinema e Mídias Digitais, com especialização em Video Mapping. Grazzi faz parte do grupo United VJs e do coletivo de artistas mulheres Multimanas. Já produziu obras audiovisuais para artistas como Luísa Sonza, Anitta, Pabllo Vittar e Baco Exu do Blues. Na conversa abaixo, elxs falam como foi esse encontro e explicam um pouco sobre “Amorphous materials”, a obra audiovisual inédita que criaram e será apresentada no Festival Multiplicidade.

Como foi trabalhar juntas? Como vocês se conectaram durante essa residência?

Robin – Foi fantástico! Grazzi é muito calorosa, criativa e aberta. Isso tornou a colaboração muito divertida e dinâmica, pois trocávamos ideias constantemente.

Grazzi – Robin tem a mente muito aberta, nos conectamos muito rápido nas nossas estéticas. O trabalho de criação foi muito fluído. Trocamos muitas referências e trabalhos antigos para entender como cada uma produzia até chegar em um conceito de liquidez. 

Sobre o trabalho que vocês criaram, qual o conceito por trás dele?

Robin – Estávamos cientes de que o contexto final seria online e presencial, e decidimos desde o início que queríamos tentar algo experimental e fluido. Isso nos levou a trabalhar com sons e visuais que brincavam com o tempo.

Grazzi – Pensamos em trabalhar de forma livre depois de buscar as referências que gostávamos. Escutei alguns sets que ela havia produzido e fui trabalhando em cima dos sons experimentais, usando materiais visuais reativos às ondas sonoras e segui nesse caminho.

Vocês pensam em voltar a trabalhar juntas?

Robin – Definitivamente! Estou muito feliz por termos sido colocadxs juntxs e espero que trabalhemos em mais projetos novamente no futuro.

Grazzi – Nossa troca foi muito aberta. No início das nossas conversas, cheguei com a ideia de produzirmos uma obra em formato fulldome para geodésicas. Essa ideia ainda continua viva para um dia ser concebida. Espero que consigamos concretizá-la futuramente. Agradeço o convite para participar da residência e poder me conectar com outras nuances culturais.

Fotos de divulgação e Pedro Lacerda (Grazzi)

Poesia e tensão na arte de Heather Lander e Érica Alves

Heather Lander é uma artista visual, que cria imersivas esculturas de luz. Nascida em Portland, EUA e radicada em Glasgow, Escócia, ela usa seu trabalho para discutir como a tecnologia afeta a nossa interpretação da realidade. Durante a parceria entre o Festival Multiplicidade e o projeto Amplify D.A.I, ela se juntou a Érica Alves, DJ e produtora, para uma residência artística on-line. Com três discos lançados, Érica é responsável pelo selo Baphyphyna e criadora da escola de produção musical WAVE. Na conversa abaixo, as duas falam como foi esse encontro e explicam um pouco sobre “War”, a obra audiovisual inédita que criaram e será apresentada no Festival Multiplicidade.

Como foi trabalhar juntas? Como vocês se conectaram durante essa residência?

Heather – Erica e eu rapidamente percebemos que temos métodos de trabalho semelhantes, pois criamos de acordo com o que sentimos no momento. A pesquisa e os interesses de Erica no inconsciente coletivo me causaram uma forte impressão. Eu costumava pensar muito nessa ideia quando pintava pinturas abstratas e estudava o expressionismo alemão e foi muito bom para mim começar a pensar e lembrar essas ideias em relação à minha prática. Essa (re)conexão que fiz através de Erica com os métodos de trabalho do inconsciente coletivo é algo que pretendo continuar focando agora. Achei muito fácil e um prazer trabalhar com a Erica. Apenas o ato de conhecer alguém e trabalhar juntos – combinado com seguir Erica no Instagram e poder ver todos os shows emocionantes que ela tem feito no Rio durante os festivais tem sido muito interessante para mim. Sinto que sei um pouco mais sobre o Rio e a incrível cena de arte e música da cidade.

Erica – Nosso encontro foi fluido e natural. Em poucos encontros online, encontramos nossos pontos em comum e descobrimos que temos abordagens parecidas para o processo criativo. Eu desenvolvo uma metodologia de criação chamada Imaginação Criativa, baseada na imaginação ativa de Carl Jung, e foi muito rico utilizá-la para nos orientarmos e chegarmos em imagens e significantes em comum. Assim, conseguimos nortear nossas criações em paralelo, ela nas imagens e eu no som, com base no que surgia nos encontros. Quando juntamos imagem e som, foi impressionante a quantidade de sincronicidades que encontramos. Foi uma conexão de dois inconscientes de lugares opostos no mundo. Muito rica a experiência.

Sobre o trabalho que vocês criaram, qual o conceito por trás dele?

Heather – Começamos com um conceito sobre as estações quando descobrimos que trabalhamos a partir de ideias de natureza e nossas conexões com ela e como todas as nossas vidas de alguma forma giram em torno das estações – apesar de elas serem bastante diferentes em algumas partes do mundo. Decidimos trabalhar as temporadas de trás para frente, em uma espécie de aceno de como tudo está confuso e como é difícil identificar momentos específicos durante a pandemia. A pandemia mudou a forma como percebemos o tempo. Não tivemos muito tempo para fazer isso funcionar. Fomos convidados a participar do projeto Amplify em meados de janeiro e nos conhecemos no início de fevereiro. Com o prazo de 28 de março, isso significava que precisávamos fazer o trabalho rapidamente. Acho que Erica e eu trabalhamos muito bem nesse sentido também. Imediatamente começamos a anotar algumas ideias para compartilhar. E o prazo apertado manteve as coisas em andamento. Durante a produção desta peça, nós no Reino Unido começamos simultaneamente a sair das restrições e entrar em nossa maior taxa de níveis de infecção até o momento. Foi mais um momento desafiador para todos. Além disso, uma guerra começou. E como todo mundo, assistimos a isso com horror e descrença. À medida que as notícias sobre a invasão ficaram mais duras e angustiantes, isso começou a se infiltrar em nossas cabeças e, consequentemente, em nosso trabalho. Em algum momento durante nosso projeto, percebemos que nossos pensamentos sobre a guerra estavam se tornando parte de nossa peça, querendo ou não. Da minha parte, tentei incorporar essas emoções misturadas dos últimos dois anos.

Erica – A princípio estávamos em um processo de levantar as imagens dos nossos inconscientes, e de início já estávamos em uma temática mais “dark”, com cores escuras, insetos, aracnídeos, corvos, nuvens. Precisávamos criar 30 minutos de material e resolvemos utilizar as quatro estações como uma forma de nos orientar para criar mais climas e uma linha narrativa para guiar nossas criações. No entanto, no meio do processo, estoura a guerra na Ucrânia e isso me afetou, o tema atravessou meu inconsciente, além de estar também me despedindo do verão brasileiro. Quando comecei as gravações, a agressividade e violência veio com força total, e o som começa bastante acelerado já, como se fosse um bombardeio repentino. Após esse susto, parece que mergulhamos em devaneios, como se fosse mesmo o inconsciente de uma pessoa entre a vida e a morte. Depois, entra um tema de verão, de sol, de praia, do pé na areia quente, me remetendo ao verão carioca, tão distante daquele cenário, ao mesmo tempo que vivemos também uma guerra diária, um genocídio contra a população negra e periférica. O tom de deboche permeia, ao mesmo tempo que os sintetizadores ficam mais desconexos. O terceiro e último movimento já inicia uma espécie de tomada de consciência. “It’s war”, como é difícil se juntar nessa conjuntura de guerra.

Vocês pensam em voltar a trabalhar juntas?

Heather – Não discutimos isso, mas eu certamente adoraria trabalhar com Erica novamente. Amo sua energia e sua música, e foi uma experiência muito boa para mim. Adoraria ir ao Rio um dia, conhecer Erica, fazer mais alguns trabalhos juntos e ver o festival (Multiplicidade).

Érica – Eu adoraria fazer mais trabalhos com a Heather!

Fotos de divulgação