Impressões sobre o Pianorquestra + Pedro Rebello + Justin Yang – Tributo a John Cage


Anne Amberget, Antônio Ziviani, Tatiana Dumas, Marina Spoladore, Masako Tanaka, Priscilla Azevedo – Piano preparado e percursões
Pedro Rebello e Claudio Dauelsberg – Composição e regência
Justin Yang – Design e criação visual

Tomas Barfod – DJ Set de encerramento

Fundado pelo compositor Claudo Dauelsberg, o Pianorquestra é um grupo formado por 7 pianistas e 1 percursionista que explora elementos étnicos das raízes brasileiras em interpretações virtuosas, sem abrir mão da sensibilidade, delicadeza e lirismo, num repertório que contém samba, coco, ciranda, repente, maracatu, entre outros ritmos tipicamente brasileiros mesclados com influências mundiais contemporâneas.

Pedro Rebelo é pianista e diretor do Sonic Arts Research Center (SARC), centro de pesquisa musical fundado pelo músico experimental alemão Karlheinz Stockhausen em Belfast, na Irlanda do Norte.

A idéia da performance surgiu a partir de uma visita de Batman Zavareze, curador do Multiplicidade, aos laboratórios e centros de estudo do S.A.R.C.. Ao discutir sobre a possibilidade de uma apresentação no Multiplicidade, pareceu natural que fosse uma homenagem ao centenário de nascimento do compositor americano John Cage.

O PianOrquestra seguiu a risca as famosas bulas de piano preparado de John Cage, desconstruindo a figura do piano como somente um instrumento melódico e limitado dentro de uma determinada escala musical. Com luvas, baquetas, palhetas de violão, fios de náilon, sandálias de borracha, peças de metal, madeira, tecido e plástico, o grupo passou executar diversos timbres e sonoridades produzidos pelo instrumento de acordo com a regência de Pedro Rebelo e de Carlos Dauelsberg.

A apresentação fez um passeio pelas idéias e proposições de John Cage, suas intervenções no mundo da música e o legado gerado, seus pensamentos sobre som e silêncio em aproximadamente 60 minutos, onde o grupo intercalava nos dois pianos preparados algumas composições do mestre e de outros artistas influenciados por ele.

Totalmente inédita foi a apresentação do sistema de partituras criada pelo designer Justin Yang, cuja composição era feita ao vivo por Pedro e representada em tela por meio de grafismos a serem interpretados pelos músicos do PianOrquestra totalmente através de improviso.

Homenagear a importância e o papel de John Cage para a história da música e do Multiplicidade não foi uma tarefa fácil, mas essa delicada apresentação mostrou que o autor está cada vez mais presente na música contemporânea, ultrapassando somente o aspecto sonoro.

Cage é fundamental para entender não só para entender a pesquisa musical contemporânea, mas seu pensamento sobre o silêncio, o som e o barulho continuam sendo de vanguarda até hoje, 100 anos após seu nascimento.

A difícil tarefa de entreter um público que saía da experimentalidade da performance para a festa de encerramento ficou para Tomas Baford, DJ dinamarquês e baterista da banda WhoMadeWho.

Em um dos dias mais lotados do Festival Multiplicidade, Tomas colocou o Oi Futuro pra dançar, embalado a temas de indie rock e o house europeu.

Sobre Tomas Baford

Tomas  Baford começou a tocar bateria aos 10 anos, mas em algum momento começou a comprar sintetizadores vintage, samplers e seqüenciadores. Ele lentamente começou a discotecar e produzir música onde, desde então, vem fazendo uma variedade de música produzida eletronicamente sozinho e com parceiros diferentes (fx. Kasper Bjorke) e em várias gravadoras importantes.

Depois de alguns anos na música eletrônica ao vivo, a clubscene travando lentamente sobre ele novamente, e ele começou a banda Whomadewho com dois colegas dinamarqueses, onde ele toca bateria e produz. Em geral, você poderia dizer que sua carreira tem sido bastante diversificada – basicamente, ele tem vindo a fazer de tudo, desde techno ambiente de pop japonês.

Para Tomas Barfod o kickstart veio com o ácido ‘Tomboy’ / discoteca 12 séries” na Gomma registros, logo depois veio lançamentos em Get Physical, Kitsune e Turbo, onde ‘Samba’ e ‘IK Guitarra” tornaram-se hit dos “clubbangers”.

Tomas é também um remixer muito solicitado e tem feito remixes de diversos artistas, tais como Bloc Party, Franz Ferdinand, Gorillaz, Lopazz, telex, Chromeo, Ásia Argento só para citar alguns.

Como DJ, tocou clubes lendários como Fabric (Londres), Panorama Bar (Berlin), Bar 25 (Berlin), Goa (Roma), Magazini Genarali (Milan), Razzmatazz (Barcelona), Lux (Portugal), Social Club (Paris).

Tomas foi envolvido em muitos projetos. O bem sucedida é mais Whomadewho, que já lançou três álbuns e vem percorrendo o mundo inteiro a partir de Nova Iorque para Sydney e foi jogar dos clubes mais importantes e festivais como o Sonar, Glastonbury, Melt, Roskilde.

SERVIÇO
DJ set Tomas Baford @ Multiplicidade

Oi Futuro Flamengo | 1º NÍVEL | 21h às 23h | Gratuito
Entrada até as 22:30 impreterivelmente

Rua Dois de Dezembro, 63 – Flamengo Rio de Janeiro – RJ, 22220-010
(0xx)21 3131-3060

As Profecias de Cage por Hermano Vianna

As profecias de Cage *

O compositor, que teria completado 100 anos em setembro, sentenciou em 1927: “A América Latina é a terra do futuro”.

John Cage teria feito 100 anos no dia 5 de setembro passado. Morreu há uma década.

O mundo ficou bem mais previsível sem os desafios radicais que ele nos lançava. Vivienne Westwood (da camiseta do Assange) certa vez declarou: “Um mundo sem Malcolm McLaren seria como um mundo sem Brasil”. Acrescento: um mundo sem o Brasil (que eu quero) seria como um mundo sem John Cage. Então (eu quero) John Cage está vivo. Sério: muita coisa que ele profetizou há quase um século, e parecia loucura, já é nosso cotidiano. Ou quase.

Em 1927, aos 15 anos, Cage ganhou prêmio em concurso de oratória. Seu discurso no Hollywood Bowl, representando a Los Angeles High School, se intitulava “Outros povos pensam” e continha profecia bombástica (pré-Zweig): “A América Latina é a terra do futuro”. Termina usando o termo “americanos” para se referir a latinos e anglo-saxões juntos, uma união que ensinará ao mundo “a ciência de apreciar, respeitar e simpatizar com os Outros”.

Não era totalmente ingênuo. Atacava a ocupação da Nicarágua e os empréstimos dos bancos americanos para a Bolívia. Aprovava o uso do poder militar do Tio Sam para defender a Venezuela da Alemanha ou Cuba da Espanha. O Norte poderia ensinar autogoverno, soberania para o Sul. Lembro: era texto de adolescente. Mesmo assim continha toques geniais. Surpreende especialmente o parágrafo que pede para os Estados Unidos calarem a boca, deixarem de produzir qualquer som: “Nós deveríamos ficar quietos e silenciosos, e teríamos a oportunidade de aprender que outros povos pensam”.

Talvez tenha sido a primeira vez em que Cage anunciou a importância do silêncio. Como vai nos ensinar depois, em inúmeras obras (incluindo o livro “Silêncio”), silêncio não é ausência de sons. Em entrevista de 1966, tudo fica claro: “Silêncio é todo som produzido sem a nossa intenção. Não há algo como silêncio absoluto. Portanto o silêncio pode muito bem incluir barulhos, e o volume aumentará no decorrer do século XX. O som dos jatos, das sirenes etc. Por exemplo, agora, se ouvíssemos os sons vindos da casa ao lado, e não estivéssemos falando nada, diríamos que isso seria parte do silêncio, não diríamos?”

Ficar em silêncio nos faz ouvir o barulho do mundo como música. Com Cage, nossos ouvidos mudaram definitivamente. E o campo musical se ampliou ao infinito, ao acaso.

O texto mais influente de Cage foi escrito dez anos depois do discurso do Hollywood Bowl. Chama-se “O futuro da música: credo”. Começa com a seguinte profissão de fé, hoje realidade banal: “Acredito que o uso do barulho para fazer música vai continuar e aumentar até que cheguemos à música produzida com a ajuda de instrumentos elétricos”. Repare bem: era 1937, as guitarras elétricas eram invenções nerds, não havia ainda sintetizadores. Cage estava fascinado pelo “som de um caminhão a 50 milhas por hora” ou pela “estática entre estações”. Não queria usar esses sons como efeitos, e sim como instrumentos musicais. Conseguiu. Fez mix sonoro em 1952 ou obra com agulhas de discos em 1962, algo que no “futuro” virou rotina dos DJs de hip-hop, techno, house até “Gangnam style”.

Como perguntou o crítico Peter Yates: Cage “é uma inteligências mais decisivas de nosso século criativo, uma mente tão não convencional que logo sua própria não convenção deverá ser a convenção?” A resposta é sim, há bastante tempo. Exemplo dado pela historiadora da arte Barbara Rose: “Para traçar a genealogia da arte pop, é preciso conhecer a atmosfera na qual ela nasceu. Essa atmosfera foi gerada principalmente pelo compositor John Cage, cujos ensaios e palestras têm sido instrumentais para formar a sensibilidade de alguns dos mais importantes compositores, coreógrafos, pintores e escultores jovens trabalhando hoje.”

Cage não desperdiçou seu tempo no mundo. Ele não trabalhava com a negatividade, com a reclamação. (Mesmo pensadores interessantes — como Nicolas Bourriaud — que tentam se distanciar dos clichês do discurso da “dimensão crítica”, acabam elogiando os artistas que “resistem” ou “confrontam”.) Seguindo Charles Ives, arte “útil” é aquela que fortalece (inclusive fisicamente) as pessoas, tornando-as capazes de perceber mais do que perceberam até agora.

Minha coluna também tem missão positiva, de fortalecer gente que abre as portas da nossa percepção, principalmente quem tem pouco espaço nos jornais. Mesmo falar de Cage é desvio de rota. Com causa nobre: todo este texto é para fazer propaganda do Festival Multiplicidade, que na próxima quinta-feira apresentará sonatas de Cage tocadas pelos pianos preparados da PianOrquestra, do Rio, em parceria com Pedro Rebello e Justin Yang, do Centro de Pesquisa em Artes Sonoras, de Belfast.

Texto integral da coluna de Hermano Vianna, publicada no sábado no jornal O Globo.

Pedro Rebelo sobre o espetáculo “Tributo a John Cage”

Pedimos para Pedro Rebelo, diretor do SARC e um dos nossos artistas de amanhã, falar um pouquinho mais sobre essa inusitada performance de amanhã.

A apresentação será parte da programação do Festival Multiplicidade 2012 no Oi Futuro Flamengo (22/11 às 20h) e vamos ter 2 pianos preparados seguindo as bulas de Cage.
Claro que existem algumas interpretações pessoais do manual de preparação de Cage, mas a três meses estão sendo realizados ensaios e debates com os 7 músicos envolvidos entre o Rio e Belfast.

No palco teremos estes 7 músicos virtuosos tocando individualmente e juntos, parte do Brasil (PianOrquestra) e parte do Pedro Rebelo, diretor do SARC, um Media Lab sonoro ligado a Queen’s University de Belfast incrivel que foi criado com a supervisão de Karlheinz Stokenhausen.

O repertório será baseado em Cage e seus discípulos: Arvo Part, Ligeti, Paert mas terão tambem releituras autorais inspirados nos preceitos dele.

No campo visual, tambem seguindo a inspirações das autorais partituras de Cage teremos o americano tambem ligado ao SARC, Justin Yang  se inspirando e recriando com novas tecnologias uma versão contemporânea de grafias musicais que servirão aos músicos ao longo do concerto. Um trabalho de webwork com animações geradas ao vivo.

O repertório do show (que ainda pode ter alguma pequena adaptação):

PianOrquestra – Perk – 4’31” (Mako, Claudio, Marina, Priscilla, Anne)
PianOrquestra Medley (Mako, Claudio, Marina, Priscilla, Anne)
Pedro Rebello – Netgraph – 10′ (Mako, Claudio, Antonio, Priscilla, Anne, Tatiana)
Justin Yang – Webworks – 10′ (Mako, Claudio, Antonio, Priscilla, Anne, Tatiana)
John Cage – Sonata I – 3′ 04″ (Antonio)
John Cage – Sonata V – 1’49” (Marina)
John Cage – Sonatas XIV e XV – 3’21” (Claudio)
Arvo Pärt – Für Alina – 1’29” (Claudio)
György Ligeti – Musica Riccercata – 3’50” (Marina)
Earle Brown – December 1952 – 2 (Antonio)
Peça colaborativa entre Pedro, Justin, pianOrquestra (Mako, Antonio, Priscilla, Anne, Tatiana e Claudio Dauelsberg)