Impressões sobre O Grivo e sua Máquina de Música

O Grivo – Nelson Soares e Marcos Moreira

Com mais de 20 anos de carreira, O Grivo é um projeto criado pelos músicos Nelson Soares Marcos Moreira, cujo trabalho multidisciplinar abrange desde trilhas para artistas das mais diversas mídias, concertos, instalações e performances, e utilização de equipamentos eletrônicos audiovisuais.

Nos dias 24 e 25 de Outubro a dupla se apresentou no Multiplicidade com a peça Máquina de Música, onde a ambientação sonora característica de seu trabalho sofria a interferência de maquinetas criadas especificamente para o concerto.

Essas pequenas estruturas musicais iam além do papel cenográfico, funcionando como instrumentos de apoio ou como um terceiro músico dentro da atmosfera musical proposta pelo O Grivo. Essas pequenas engenhocas formadas por peças de madeira, buretas, um tocador de fitas DAT, metrônomos, entre tantos outros objetos, pareciam que ganhavam vida de acordo com a regência da dupla.

E foi assim durante toda a apresentação, composta de dez peças audiovisuais. No centro das atenções estavam essas pequenas máquinas extremamente delicadas, com uma dupla função: primeiro eram ativadas por comandos através de computadores, para depois ativar pequenos sensores através de movimentos puramente cinéticos.

Cada filme especialmente criado pelo artista plástico Cao Guimarães funcionava como uma narrativa complementar, no papel de um olhar inusitado em cima de cada maquineta da dupla. Enquanto os músicos se movimentavam de forma extremamente silenciosa no palco, era através da imagem que se entendia o momento que uma das peças terminava e quando a próxima se iniciava.

O Grivo propõe uma ambientação sonora através de ruídos e imagens. É como se os músicos levassem o público para um passeio dentro de um mundo muito particular e lúdico, criado através de uma paisagem audiovisual densa. Toda a obra é composta por pequenas manifestações sonoras próprias da não-música, deixando ao espectador a função de interpretar dentro da própria cabeça a mensagem passada pela dupla.

Apesar de toda a atonalidade musical da performance, Máquina de Música ainda tinha uma pequena surpresa guardada para o público, quando os músicos utilizaram um elemento inédito em seu trabalho: a própria voz, entoada através da canção “Felicidade” de Noel Rosa.

O Grivo parece querer passar a mensagem de que tanto a alta tecnologia dos computadores quanto o movimento analógico das máquinas são totalmente complementares, o que gera esse embaralhamento de sentidos em seus quase 60 minutos de imersão sonora. Dialogando com pensadores como John Cage, o barulho é o que importa.

O dia 25 ainda contou com o fechamento da noite comandado pela DJ Mary Zander, no coquetel de encerramento do festival, levando o público a permanecer no centro cultural até meia-noite.

Especialista em house music, fez os presentes dançarem até o fim, contrabalanceando o intimismo da apresentação do O Grivo.

Através de um set preparado especialmente para o festival e sem medo de experimentar e saindo da sua zona de conforto, Mary passeou por diversos ritmos como o nu-disco e a soul music.

A Máquina de Música

A performance Máquina de Música é constituída de 10 peças improvisadas, onde o diálogo entre os músicos e mecanismos de suas máquinas sonoras formam um verdadeiro desenho rítmico através de improvisações musicais. Cada uma das peças lida com abordagens distintas dos parâmetros musicais fundamentais como tempo, ritmo, timbre, estrutura formal, melodia, etc..

Essa obra se dá através de improvisações sonoras com instrumentos de percussão, cordas e sopros, suas “máquinas sonoras”, instrumentos virtuais, sensores, objetos do dia a dia, acompanhado de imagens em vídeo criadas pelo artista plástico Cao Guimarães.

Cada uma dessas peças lida de maneira diferente com questões como o diálogo entre a estrutura musical e o acaso, a construção de um espaço “escultural” por meio do som e, ainda, as relações entre som e imagem a partir de uma mesma ideia.
Além destes equipamentos, serão utilizados no concerto vários instrumentos acústicos e eletrônicos acompanhados por imagens em vídeo das próprias máquinas gravadas pelo cineasta e artista plástico Cao Guimarães, servindo de guia para a regência sonora da dupla.

Confira aqui algumas imagens fresquinhas de hoje!

Sobre o Grivo e suas engenhocas musicais

O Grivo é um projeto pelos músicos Nelson Soares e Marcos Moreira, cujos trabalhos passam abrangem desde trilhas para artistas das mais diversas mídias, a concertos, instalações e performances, com variadas perspectivas de improvisação e utilização de equipamentos eletrônicos em áudio e vídeo.

Fundado no ano de 1990 O Grivo realizou seu primeiro concerto em Belo Horizonte, iniciando suas pesquisas no campo da “Música Nova”. Interessados na expansão do seu universo sonoro e na descoberta de maneiras diferentes de organizar suas improvisações, o duo vem desenvolvendo sua linguagem musical tendo por base a pesquisa sonora em materiais e objetas dos mais variadas texturas e formatos.

Em função dessa busca por “novos” sons e por possibilidades diferentes de orquestração e montagem, O Grivo trabalha com a pesquisa de fontes sonoras acústicas e eletrônicas, com a construção de “máquinas e mecanismos sonoros”, e com a utilização não-convencional de instrumentos musicais tradicionais através de modificações e deturpações de suas funcionalidades.

Em consequência desta pesquisa, que leva ao contato com os objetos e materiais mais diversos, cresce a importância das informações visuais e da sua organização nas montagens do grupo. A isto se soma um diálogo, também ininterrupto, com o cinema, vídeo, teatro e a dança. Nas instalações / concertos o espaço de fronteira e interseção entre as informações visuais e sonoras é o lugar onde se constrói nossa experiência com conceitos como textura, organização espacial, sobreposição, perspectiva, densidade, velocidade, repetição, fragmentação, etc.

A proposição de um estado de curiosidade e disposição comtemplativa para a escuta e a discussão das relações dos sons com o espaço são as idéias principais sobre as quais se apóiam os trabalhos do grupo.

Com engenhocas bem-humoradas e aparentemente precárias, O Grivo pertence ao seleto grupo de artistas sonoro-visuais brasileiros, como o coletivo Chelpa Ferro ou Paulo Nenflidio, bem inseridos no contexto das artes plásticas e cujas obras incluem o uso de aparatos inusitados.

Diferentemente desses, porém, graças, em parte, à formação musical de seus integrantes, as obras d’O Grivo priorizam a sonoridade onde, embora o efeito visual esteja longe de ser casual, a imagem é consequência da dimensão musical.

Os percursos sonoros que criam, nas palavras da dupla, “criam, além de uma nova maneira de ouvir, uma nova maneira de ver os mecanismos de produção do som”.

O duo notabilizou-se num primeiro momento pelas produções musicais realizadas para outros artistas, como Cao Guimarães, Lucas Bambozzi, Rivane Neuenschwander e Valeska Soares, entre outros. O grande apelo visual de suas instalações, contudo, fez com que a dupla passasse a ser reconhecida pela qualidade plástica, e não apenas sonora, de suas criações, a partir principalmente da exposição Antarctica Artes com a Folha (1996).