Uma noite de sons inusitados à mesa

Noise table 3

Por Carlos Albuquerque
Fotos: Francisco Costa

A mesa estava posta. Em cima dela, caixas de metal, blocos de madeira, pequenas chaves de fenda, apitos, sinos, chocalhos, um boneco amarelo, um celular, uma espécie de ratoeira e até mesmo uma língua de sogra. Foi com essa inusitada “louça” que o artista suíço Roland Bucher serviu porções especiais de barulho aos comensais presentes à performance “Noise table”, realizada em edição especial do Multiplicidade 2018 na Sede das Cias, na Lapa, no centro do Rio. A noite contou também com uma palestra do vídeoartista e escritor Raimo Benedetti em torno do seu livro “Entre pássaros e cavalos”, com a participação do diretor e roteirista Bebeto Abrantes.

Criação do próprio Bucher, a noise table é, como indica o nome, um instrumento musical em forma de mesa, que “toca” – ou faz barulho com – objetos colocados em sua superfície. Projeto de Bucher quando ainda era estudante do equivalente suíço ao ensino médio, a mesa atua como uma espécie de sampler e unidade de efeitos touchpad, programada em Max/MSP, uma linguagem bastante popular para criações audiovisuais. Obra em constante progresso, ela tem sido aperfeiçoada pelo artista desde então. “É um processo de aprendizado e evolução contínuo, inclusive no modo como utilizo a mesa”, disse ele, em entrevista, um pouco antes da apresentação.

Noise table 4

Como um masterchef de sons inusitados, Bucher serviu um pequeno banquete de ruídos e texturas ao longo de pouco mais de 30 minutos de performance. Apesar de ser um baterista, ele não traz ritmos para a noise table, que funcionada acoplada a um laptop. Em vez disso, vai criando, aleatoriamente, séries de sons e efeitos abstratos – ora dispersivos, ora evocativos – ao colocar e arrastar os objetos na superfície da mesa. Ciente da curiosidade que sua criação desperta, ele fez questão de conversar com o público sobre a noise table após o show, explicando, em detalhes, como o instrumento funciona. Alguns nunca mais vão olhar para um saleiro da mesma maneira.

Raimo

A noite foi aberta com boas conversas também, com Raimo Benedetti contando a fascinante história de Eadweard James Muybridge, fotógrafo norte-americano, e Éttiene-Jules Marey, cientista francês. Os dois, que, coincidentemente viveram entre 1830 e 1904, são os protagonistas de “Entre pássaros e cavalos”, que tem o subtítulo “Muybridge, Marey e o Pré-Cinema”. Em sua apresentação, Benedetti mostrou, com projeções em um  telão, como o trabalho dos dois foi importante para o desenvolvimento da linguagem cinematográfica, antes mesmo da invenção do cinematógrafo pelos irmãos Lumière, em 1895.

Retrospectiva Multiplicidade 2011: Carlos Casas – EXPO_END e END_PERFORMANCE

Trechos de dois textos presentes no livro-catálogo Multiplicidade 2011, a ser lançado no dia 13 de Setembro de 2012 no Oi Futuro Flamengo.

EXPO_END

Participação de Bebeto Abrantes e Carlos Alberto de Mattos

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No segundo dia da Semana Especial do Festival Multiplicidade 2011, Carlos Casas abriu sua participação com uma exposição baseada na trilogia “END” no Instituto Cervantes de Botafogo. Com fotos e videoinstalações de seus trabalhos, a retrospectiva montada no centro cultural traçava um recorte antropológico da inusitada pesquisa sobre o trabalho do diretor que filma, edita e fotografa em suas viagens.

ImagemA exposição foi um resumo do trabalho realizado ao longo dos dez anos de pesquisas e captações de imagens da trilogia, filmada cronologicamente na Patagônia (extremo sul da Argentina), no Mar do Aral (Uzbequistão) e na Sibéria (extremo norte da Rússia).

A inauguração contou ainda com a exibição do filme “Sibéria — Hunters Since the Beginning of Time”, finalizado em 2010, seguida de um debate com o documentarista Bebeto Abrantes e o crítico de cinema Carlos Alberto de Mattos.

O bate-papo informal discutiu técnicas, olhares e processos do diretor, desde seus problemas linguísticos e de acesso até sua metodologia de trabalho e de criação de cada um dos filmes.

Contando com a participação do público, de curiosos até documentaristas profissionais, Carlos Casas respondeu a diversas perguntas referentes às dificuldades de realização dos seus filmes, além de falar do prazer de conhecer realidades tão distantes das vividas pelos homens urbanos. O autor ainda comentou o quanto essa experiência havia modificado seu modo de viver e lidar com pessoas.

Carlos Casas + Chelpa Ferro – END_PERFORMANCE

26 de novembro de 2011

Num dos mais importantes recortes temáticos do evento, o transcinema, tivemos o cineasta espanhol Carlos Casas, que se apresentou com o grupo experimental Chelpa Ferro na performance “END”, uma nova proposta audiovisual de sua trilogia. Ocupando um novo espaço dentro da Semana Especial do Festival Multiplicidade 2011, foi montado um anteparo cinematográfico incomum, dessa vez no galpão do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RJ), construído em 1906.

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A trilogia de Carlos já havia resultado em desdobramentos além dos filmes, como fotografias e instalações, mas pela primeira vez foi executada como performance.

Trechos dos três filmes foram remontados para uma compreensão narrativa através do suporte de projeção tríptico, junto ao acompanhamento sonoro do grupo Chelpa Ferro, que reinterpretava a trilha original dessas obras. As imagens funcionavam alternando diálogos entre si e outras vezes de forma independente, meramente estética, em que uma mesma cena ocupava uma, duas ou todas as três telas, incitando uma forma alternativa de ver cinema. A sincronicidade das imagens era controlada através do software Watchout.

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Criado em 1995 pelos artistas plásticos Barrão e Luiz Zerbini, e pelo editor de cinema Sergio Mekler, o Chelpa Ferro tem passagens na Bienal de Veneza e na de São Paulo, além de várias exposições individuais. Seu trabalho explora a plasticidade ruidosa dos sons em esculturas, objetos, instalações, performances e apresentações musicais que desafiam os sentidos do espectador.

O coletivo carioca, cujo trabalho permeia a experimentação e o improviso, utilizou diversos instrumentos eletroacústicos, desde guitarras distorcidas, uma caixa de música, até uma lata de lixo com cordas de cello amplificadas — batizada de Ruim — para criar um campo sonoro ao mesmo tempo hostil e plácido. O grupo ainda se apropriou de trechos da trilha original composta pelo argentino Sebastian Escofet, alternando sinfonias e sons diretos, sobrepondo camadas, recriando uma nova ambiência.

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Vídeo da performance END

Talvez um dos momentos mais intensos e belos dos sete anos do Multiplicidade, Carlos Casas pôde, pela primeira vez, executar a trilogia END como uma performance. A trilogia, que já havia tido desdobramentos em vídeo, fotografia e instalação, recebeu uma roupagem sonora inédita pelo grupo Chelpa Ferro.

No vídeo abaixo, Carlos foi entrevistado após a performance por Bebeto Abrantes, renomado documentarista do Rio de Janeiro, junto com imagens dessa performance incrível que aconteceu dia 26 de Novembro no Instituto dos Arquitetos do Brasil.
Confira!

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A primeira parte da Semana Especial Festival Multiplicidade 2011

Durante quatro dias intensos, estivemos espalhados por diversos locais do Rio de Janeiro com a primeira parte da nossa semana especial Festival Multiplicidade 2011, que ocupou o Oi Futuro Flamengo, o Instituto Cervantes de Botafogo, o Instituto dos Arquitetos do Brasil e a Praça Xavier de Brito, na Tijuca.

O Projeto Cavalo, criado pelos artistas plásticos Cadu, Paulo Vivacqua, Eduardo Berliner e Felipe Norkus, abriu nossa semana dentro do Oi Futuro Flamengo, casa do Multiplicidade. Com uma performance que envolvia muito de teatro e música, o coletivo que contava ainda com Rodrigo Miravales, Audrin Santiago, Rodrigo Bleque, Adriano Motta (O Divino) e Antônio João, apresentou uma obra visceral, falando da figura do cavalo desde seu nascimento até a morte e hipnotizando um teatro com lotação máxima.

No dia seguinte, estivemos no Instituto Cervantes de Botafogo para a abertura da exposição END, de Carlos Casas, que contou ainda com a exibição do filme “Siberia – Hunters Since the Beginning of Time” no auditório da casa. Bebeto Abrantes, documentarista e diretor da Cara De Cão Filmes e Carlos Alberto Mattos, crítico de cinema, realizaram um debate bastante animado sobre o processo do diretor na criação dos filmes e as dificuldades de filmar nesse ambiente hostil.

Sábado, pela primeira vez Carlos pôde executar sua vídeo-instalação END ao vivo, junto ao coletivo Chelpa Ferro, no Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), com aproximadamente 220 pessoas presentes, em um dos mais belos momentos do festival Multiplicidade até hoje.

Encerrando a primeira metade da semana, os cavaleiros do Projeto Cavalo foram à Praça Xavier de Brito para a derradeira performance dentro da Semana Especial. Mesmo sob chuva, os moradores e os presentes puderam usufruir da charrete e presenciar a intervenção sonora dos artistas.

 

Abaixo, uma galeria com 34 fotos tiradas ao longo dos dias por Rodrigo Torres e Diana Sandres.