O Passinho por Carmattos

O grande Carlos Alberto de Mattos, crítico de cinema do Rio de Janeiro, gentilmente nos cedeu o direito de republicar esse lindo texto sobre o Passinho de sua autoria:

A dança é talvez a forma mais vital de expressão artística e sem dúvida uma das mais democráticas. É a voz do corpo gritando o que nem sempre a voz da garganta é capaz de exprimir. A dança conclama o corpo a uma forma clara de estar no mundo e a uma atitude muito eloquente perante a realidade. Dançar é uma forma suprema de dizer.

Tudo isso está patente em A Batalha do Passinho. Emilio Domingos não precisa lançar mão de nenhuma fórmula de sucesso ou truque de narrativa para mostrar como um documentário pode sondar o imaginário de uma comunidade enquanto parece apenas ouvir despreocupadamente os personagens. Ao redor da dança, é todo um estilo de vida que se desvela nas palavras desses moleques de mola: a vaidade um tanto inocente, a afetividade transbordante, a linguagem peculiar, as ambições de bons moços. Nessa etnografia casual, estamos muito distante das imagens fatalistas da favela e da periferia. O que vemos é uma juventude conectada fraternalmente e concentrada em suas aspirações. 

O funk dita o ritmo para a edição do filme, evidenciando o quanto de surpresa, teatro, pantomima e sátira de comportamento existe no passinho. Além disso, há ali um testemunho precioso sobre as formas de criação e circulação da arte popular na era da internet. São muitas, enfim, as razões por que A Batalha do Passinho é um filme não só contagiante e divertido, mas também fundamental para entendermos as dinâmicas da cidade contemporânea. 

Carlos Alberto Mattos

Retrospectiva Multiplicidade 2011: Carlos Casas – EXPO_END e END_PERFORMANCE

Trechos de dois textos presentes no livro-catálogo Multiplicidade 2011, a ser lançado no dia 13 de Setembro de 2012 no Oi Futuro Flamengo.

EXPO_END

Participação de Bebeto Abrantes e Carlos Alberto de Mattos

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No segundo dia da Semana Especial do Festival Multiplicidade 2011, Carlos Casas abriu sua participação com uma exposição baseada na trilogia “END” no Instituto Cervantes de Botafogo. Com fotos e videoinstalações de seus trabalhos, a retrospectiva montada no centro cultural traçava um recorte antropológico da inusitada pesquisa sobre o trabalho do diretor que filma, edita e fotografa em suas viagens.

ImagemA exposição foi um resumo do trabalho realizado ao longo dos dez anos de pesquisas e captações de imagens da trilogia, filmada cronologicamente na Patagônia (extremo sul da Argentina), no Mar do Aral (Uzbequistão) e na Sibéria (extremo norte da Rússia).

A inauguração contou ainda com a exibição do filme “Sibéria — Hunters Since the Beginning of Time”, finalizado em 2010, seguida de um debate com o documentarista Bebeto Abrantes e o crítico de cinema Carlos Alberto de Mattos.

O bate-papo informal discutiu técnicas, olhares e processos do diretor, desde seus problemas linguísticos e de acesso até sua metodologia de trabalho e de criação de cada um dos filmes.

Contando com a participação do público, de curiosos até documentaristas profissionais, Carlos Casas respondeu a diversas perguntas referentes às dificuldades de realização dos seus filmes, além de falar do prazer de conhecer realidades tão distantes das vividas pelos homens urbanos. O autor ainda comentou o quanto essa experiência havia modificado seu modo de viver e lidar com pessoas.

Carlos Casas + Chelpa Ferro – END_PERFORMANCE

26 de novembro de 2011

Num dos mais importantes recortes temáticos do evento, o transcinema, tivemos o cineasta espanhol Carlos Casas, que se apresentou com o grupo experimental Chelpa Ferro na performance “END”, uma nova proposta audiovisual de sua trilogia. Ocupando um novo espaço dentro da Semana Especial do Festival Multiplicidade 2011, foi montado um anteparo cinematográfico incomum, dessa vez no galpão do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RJ), construído em 1906.

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A trilogia de Carlos já havia resultado em desdobramentos além dos filmes, como fotografias e instalações, mas pela primeira vez foi executada como performance.

Trechos dos três filmes foram remontados para uma compreensão narrativa através do suporte de projeção tríptico, junto ao acompanhamento sonoro do grupo Chelpa Ferro, que reinterpretava a trilha original dessas obras. As imagens funcionavam alternando diálogos entre si e outras vezes de forma independente, meramente estética, em que uma mesma cena ocupava uma, duas ou todas as três telas, incitando uma forma alternativa de ver cinema. A sincronicidade das imagens era controlada através do software Watchout.

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Criado em 1995 pelos artistas plásticos Barrão e Luiz Zerbini, e pelo editor de cinema Sergio Mekler, o Chelpa Ferro tem passagens na Bienal de Veneza e na de São Paulo, além de várias exposições individuais. Seu trabalho explora a plasticidade ruidosa dos sons em esculturas, objetos, instalações, performances e apresentações musicais que desafiam os sentidos do espectador.

O coletivo carioca, cujo trabalho permeia a experimentação e o improviso, utilizou diversos instrumentos eletroacústicos, desde guitarras distorcidas, uma caixa de música, até uma lata de lixo com cordas de cello amplificadas — batizada de Ruim — para criar um campo sonoro ao mesmo tempo hostil e plácido. O grupo ainda se apropriou de trechos da trilha original composta pelo argentino Sebastian Escofet, alternando sinfonias e sons diretos, sobrepondo camadas, recriando uma nova ambiência.

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A primeira parte da Semana Especial Festival Multiplicidade 2011

Durante quatro dias intensos, estivemos espalhados por diversos locais do Rio de Janeiro com a primeira parte da nossa semana especial Festival Multiplicidade 2011, que ocupou o Oi Futuro Flamengo, o Instituto Cervantes de Botafogo, o Instituto dos Arquitetos do Brasil e a Praça Xavier de Brito, na Tijuca.

O Projeto Cavalo, criado pelos artistas plásticos Cadu, Paulo Vivacqua, Eduardo Berliner e Felipe Norkus, abriu nossa semana dentro do Oi Futuro Flamengo, casa do Multiplicidade. Com uma performance que envolvia muito de teatro e música, o coletivo que contava ainda com Rodrigo Miravales, Audrin Santiago, Rodrigo Bleque, Adriano Motta (O Divino) e Antônio João, apresentou uma obra visceral, falando da figura do cavalo desde seu nascimento até a morte e hipnotizando um teatro com lotação máxima.

No dia seguinte, estivemos no Instituto Cervantes de Botafogo para a abertura da exposição END, de Carlos Casas, que contou ainda com a exibição do filme “Siberia – Hunters Since the Beginning of Time” no auditório da casa. Bebeto Abrantes, documentarista e diretor da Cara De Cão Filmes e Carlos Alberto Mattos, crítico de cinema, realizaram um debate bastante animado sobre o processo do diretor na criação dos filmes e as dificuldades de filmar nesse ambiente hostil.

Sábado, pela primeira vez Carlos pôde executar sua vídeo-instalação END ao vivo, junto ao coletivo Chelpa Ferro, no Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), com aproximadamente 220 pessoas presentes, em um dos mais belos momentos do festival Multiplicidade até hoje.

Encerrando a primeira metade da semana, os cavaleiros do Projeto Cavalo foram à Praça Xavier de Brito para a derradeira performance dentro da Semana Especial. Mesmo sob chuva, os moradores e os presentes puderam usufruir da charrete e presenciar a intervenção sonora dos artistas.

 

Abaixo, uma galeria com 34 fotos tiradas ao longo dos dias por Rodrigo Torres e Diana Sandres.