Sobre blogmultiplicidade

O Multiplicidade_Imagem_Som_inusitados é um festival de performances audiovisuais que acontece desde 2005 no Rio de Janeiro e que mostra ao público um amplo repertório de atrações no Oi Futuro Flamengo e na Escola de Artes Visuais do Parque Lage. O seu principal conceito é unir em um mesmo palco arte visual e sonoridade experimental.

Sanannda Acácia lança “There’s No Such Animal”

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Acaba de ser lançada a segunda aparição em álbum do projeto Quasicrystal, There’s No Such Animal, da artista visual e sonora Sanannda Acácia.
Em setembro, Sanannda participou da abertura do #Multiplicidade2018 com Aproximação por QuasiCrystal, mostrando, durante sua apresentação, que tem sensibilidade ímpar e uma propriedade rara sobre sua obra. Além da apresentação na noite de estréia da mostra, a artista também ministrou um workshop extremamente instigante onde apresentou suas referências conceituais e seus processos de criação sonora. Sanannda parte do princípio que todo sólido apresenta uma estrutura cristalina e quase todo mineral apresenta uma estrutura cristalina em sua composição molecular atômica. Ela explora, assim, a quebra sutil de periodicidade das estruturas cristalinas.
Radicada no Rio de Janeiro, ela participa ativamente da cena underground da cidade e faz música desde de 2013. O projeto Quasicrystal se inspira em ciência e cristalografia para criar som. As sonoridades criadas dão densidade a topografias e universos ficcionais inspirado em ciência e magia. Sanannda explora o uso de sintetizadores, gravações de campo, sampling e procedimentos com fita k7. Graças a esses processos, a artista pode esculpir topologias e dar vida aos fantasmas.

Neste segundo momento do projeto Quasicrystal, as limitações do meio seguem como potenciais criativos de vida, arte e ficção, numa busca pela materialidade dos engendramentos de sua obra. Segundo a própria Sanannda, “Quasicrystal é um projeto que abriga as temáticas de topografia e imaginação. Quasicrystal é uma estrutura cristalina que não possui célula unitária e nem padrão de repetição periódica em seu esqueleto, algo dado por muito tempo como impossível nos sólidos.”
There’s no such animal é ruído e melodia. A arte sonora de Sanannda habita os espaços limítrofes do som e do pensamento como forma de vida e arte.

O novo álbum está agora no ar, para escuta e download, no bandcamp da Seminal Records. Nele, Sanannda Acácia oferece dez litanias espectrológicas de ruídos, pedais e vozes.
Com suas experimentações sonoras, Sanannda traz uma experiência mais corpórea e presente no espaço visível, criando criando paisagens sonoras que vibram com o som e com as intensidades do corpo, buscando inspiração na ciência para fazer música.

OUÇA AQUI!
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A vida entrelaçada em um iceberg

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Para o meio ambiente, os icebergs são o canarinho na mina de carvão. São esses gigantescos blocos de gelo que dão os primeiros sinais de alterações climáticas. E esses alertas não param de acontecer, como tem demonstrado inúmeros estudos científicos e reportagens sobre o aquecimento global.

Para artistas como Fernando Velázquez – em cartaz no #Multiplicidade2018 com a obra em VR “Iceberg” – e Adriene Hughes, tais formas são também uma poética inspiração para refletir sobre a relação entre ser humano e natureza.

Após uma viagem de 20 dias à Groenlândia em 2015, a artista visual norte-americana  criou o belíssimo ensaio fotográfico “Threaded icebergs”, no qual insere linhas geométricas, semelhantes aos fios de uma tecelagem. Através delas, simboliza a passagem do vento, da luz, da água e do tempo por essas montanhas de gelo. “São como histórias do passado, presente e futuro esculpidas nos icebergs”, descreve ela em seu site.

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Dez coisas que aprendemos sobre Phill Niblock

Phill no LabSonica, onde apresentou raridades de sua coleção

Niblock no Lab Oi Futuro, onde mostrou seus filmes e apresentou raridades de sua coleção de fotos

Ele chegou devagarinho, como é de esperar de um homem de 85 anos. Aos poucos, porém, Phill Niblock – cineasta, fotógrafo e mestre Jedi dos sons minimalistas – foi se soltando. Depois de uma ruidosa performance na noite de estréia do Multiplicidade 2018, de duas palestras no Lab Oi Futuro (nas quais mostrou slides recém-descobertos de suas viagens ao Brasil nos anos 80) e de alguns papos informais, eis o que descobrimos sobre ele:

1) Só ouve jazz (quando ouve).
2) Não vai ao cinema desde os anos 70.
3) Considera John Cage seu mentor.
4) Gosta de ouvir sua música bem alta (não por acaso, os integrantes do Sonic Youth são seus fãs, o que o faz sorrir).
5) Raramente lê jornais (“A última vez acho que foi há seis meses”).
6) É amigo de Jocy de Oliveira, pioneira do trabalho multimídia no Brasil.
7) Diz estar bastante “incomodado” com a presença de Donald Trump na presidência dos EUA.
8) É formado em economia, mas nunca exerceu a profissão.
9) Não usa o celular para fotografar, mas carrega uma pequena câmera digital para registros e imagens (“Mas nada especial, só coisas triviais”).
10) É viciado em Paciência.

Uma estréia pontuada por desafios, reflexões e algum barulho

WhatsApp Image 2018-09-17 at 20.55.29Por Carlos Albuquerque

Obra em progresso gera obra em progresso. Para rebater a agressiva grandiosidade de um condomínio de três prédios que começa a ser erguido ao redor do Oi Futuro Flamengo – sufocando e abalando sua entrada principal – o arquiteto e artista plástico Pedro Varella gerou “Ações no pátio”, uma das mais instigantes atrações da estréia do Multiplicidade 2018. Subvertendo a estrutura e o conceito de uma construção em andamento – no caso, o muro escorado e o tapume instalado no local -, ele embaralhou necessidade técnica e proposta artística, realidade e imaginação, criando algo genuinamente singular. E em vez de um improvável tapete vermelho, abriu janelas, demarcou áreas de risco, aparou arestas e recebeu os convidados com um sinal vermelho de alerta que, em tempos incendiários, parecia dizer: “Centros culturais em perigo. Ressaca à vista”.

Lá dentro e também no IAB (Instituto dos Arquitetos do Brasil), outras metáforas, desafios e reflexões aguardavam quem chegava numa noite de segunda-feira de tempo instável, sujeita a chuvas e trovoadas. Na entrada, a realidade também era confrontada com a instalação de realidade virtual “Iceberg”, do artista uruguaio (radicado no Brasil) Fernando Velázquez. Uma fila se formou para adentrar o filme em 360º no qual blocos de gelo flutuam soltos em um ambiente de gravidade zero, simbolizando a conflituosa relação do homem com o ambiente.

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Um andar acima e no primeiro piso do IAB – que recebia também o lançamento do vinil “Barulho”, com sons da edição 2017 do festival -, a viagem era mais palpável, com a espetacular obra “Tape”, do coletivo croata Numen. Feito com quilômetros de fita adesiva, o concorrido trabalho penetrável fazia lembrar um enorme casulo ou uma gigantesca teia de aranha (ou ainda o ventre de um “alien”, lembraram alguns mais afeitos à ficção-científica). Os passeios pelo seu interior – três pessoas de cada vez – eram feitos em meio a uma alegria quase infantil e também uma sensação de insegurança e estranhamento. “É uma volta ao útero, só que já adulta”, resumiu uma mulher ao final da aventura.

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No teatro, a história era outra e remetia ao mote da edição anterior do festival, BARULHO, com as apresentações de Sannanda Acácia e Phil Niblock. Sannanda veio primeiro. Munida de computador, controladora, mixer e um amplificador valvulado, a artista sonora executou a obra “Aproximação”, com seu projeto Quasicrystal. Durante cerca de uma hora, ela construiu, progressivamente, uma densa paisagem de ruídos e distorções, sobrepondo texturas metálicas numa sinfonia siderúrgica, industrial, desafiadora, pontuada por flashes de luz estroboscópica. Ao final, Sannanda simplesmente saiu do palco e se sentou na platéia, sem definir um formal encerramento para a performance. Após alguns instantes de silêncio e indecisão, os aplausos vieram assombrados, nervosos, catárticos.

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Acompanhado pelo saxofonista Livio Tragtenberg, Niblock veio em seguida, na apresentação mais esperada da noite. Eminência da música de vanguarda, ele apresentou a obra audiovisual “Environments Series”, casando seus sons minimalistas com as imagens da série “The movement of people working”. Mostrando por que é venerado por artistas como Lee Ranaldo e Thurston Moore, do Sonic Youth, Niblock, de 85 anos, tocou alto, muito alto, criando um contrastante fundo musical para a plácida e repetitiva movimentação de pescadores chineses de ouriços do mar. O transe de sua ação só foi interrompido por um problema numa das caixas, que fez a performance chegar ao fim um pouco antes do previsto. Experiente com os imprevistos do meio ambiente, ele não se abalou e rumou dali, amparado por uma bengala, para um universo aparentemente mais controlado: o restaurante Lamas, onde fechou a noite.

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Fotos: Francisco Costa e Diana Sandes (Phill Niblock)

 

Caminhos de utopia, insistência e romantismo poético

Muros desabam, bairros se transformam, cidades cedem à gentrificação. Cabe a nós reinventá-las

Muros desabam, bairros se transformam, cidades cedem à gentrificação. Cabe a nós reinventá-las

“Acordar não é de dentro. Acordar é ter saída”
“Auto do Frade”, João Cabral de Melo Neto

No meio da travessia, o #MULTIPLICIDADE2018 aposta em uma fuga do espaço-tempo através da arte. Desde a Grécia Antiga, a busca por alternativas de sociedade perpassou a literatura e a arte, revelando outras narrativas: do distópico ao quimérico.

O tema ESPAÇOS UTÓPICOS norteia nossa curadoria em 2018. Em tempos nebulosos, nosso mote é o RESISTIR e o EXISTIR como únicas saídas [EXIT]. A força e visualidade destas palavras são o motor, o catalisador desta edição, pois como bem apontou o poeta Torquato Neto nos anos 70, “as palavras não são armas inúteis”. Desde sua primeira edição, o MULTIPLICIDADE é atravessado pelas reminiscências das tecnologias do passado e pelo desejo das tecnologias futuras, mas, no presente, o corpo humano ainda é o que está por trás de todas as invenções, tentando sempre resistir e buscar novas formas de existir num cenário à deriva. Muros desabam, bairros se transformam, cidades cedem à gentrificação. Cabe a nós reinventá-las, para que, através delas, possamos ressignificar paisagens imaginárias, em busca de futuros viáveis.

Neste ano, apresentamos obras que aspiram a um lugar melhor do que o aqui e agora. O line-up desta temporada é extremamente diverso, composto por artistas de diferentes horizontes e origens, e mostra como os escapes pela arte são plurais. A escolha por repertórios híbridos e indisciplinados acompanha o MULTIPLICIDADE desde sua origem. Por mais distintas que sejam suas linguagens, os trabalhos aqui reunidos são peças fundamentais num labirinto que tenta compor caminhos de utopia, insistência e romantismo poético.

Em 2018, o MULTIPLICIDADE propõe ao público outras formas de pensar, estar e habitar o espaço comum. A saída que nos move não aponta necessariamente para fora. Há saídas possíveis por entre e para dentro

Batman Zavareze
Curador do Multiplicidade

No ardente labirinto das ausências

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Por Cadu*

Uma Fênix forjou ninho em solo imperial.
Sobre as penas do uiraçu-verdadeiro, sobre Bendegó. Sobre as presas do tigre-dentes-de-sabre e sobre a pachorra da Preguiça Gigante.
Sobre as patas de Decapoda. Em casaco de intestino de foca, sobre o Rato-do-cacau, sobre o celacanto. Sha-Amun-en-su e Harsiese. Sobre Luzia.
Novamente sobre os afrescos de Pompéia. Sobre o Escudo do Uapés e sobre o Trono Daomé. Sobre a coleção Rondon. E sobre as vozes do Ilê Omolu Oxum.
Brahma, Vishnu e Shiva, Prometeu, Nhanderuvuçú e Empédocles a tudo assistiram.
Que a metalurgia se converta em arômatas curativos. Todas as cinzas, todo o desespero contemplado no limite da cegueira e da iluminação é a manifestação do clamor do tempo por renovação.
Segundo a lenda judaica, Deus escreveu as leis usando dois fogos: um branco e um negro.
Com o fogo negro, foram escritas as palavras. Com o fogo branco, os espaços entre as letras.
Durante sete mil anos, o homem lerá as palavras, mas nos próximos sete mil aprenderá a ler os espaços em branco.
Quando esse momento chegar, entenderemos o que se oculta no ardente labirinto das ausências.
O Departamento de Artes e Design da PUC-Rio demonstra tanto sua indignação quanto sua solidariedade no romper desta ainda incompreensível aurora.

* Cadu, artista plastico e professor do Departamento de Artes e Design da PUC-Rio

FESTIVAL MULTIPLICIDADE e o VINIL BARULHO

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O Multiplicidade sempre fez jus ao nome. Ao longo dos seus 14 anos de vida, o festival de imagens e sons inusitados, dirigido por Batman Zavareze, já se transformou em livro de arte (foram dez), teses de mestrado (em três estados do país) e até em uma série de televisão (no Canal Brasil). Agora, ele se desdobra em um novo formato: o vinil, com o lançamento de um disco com sons registrados na sua mais recente edição. A peça, com edição limitada, vem assinada pelos DJs e produtores Nado Leal e Calbuque.

“Sendo um festival que traz no seu nome imagens e sons inusitados, confesso que tinha sempre em meu radar o sonho de um dia produzir um vinil” – explica Zavareze. –  “Um objeto de arte que tivesse a mesma importância do livro em nossa história, ser uma obra artística que resgate em nossa memória a experiência do festival.”

A oportunidade de transformar esse sonho em acetato surgiu em 2017, quando o barulho foi o tema central do festival. O evento teve a participação de artistas da França, Itália, Canadá, Espanha, Sri Lanka e, claro, do Brasil, incluindo dez representantes da comunidade Kuikuro, no Xingu, como resultado de um intercâmbio promovido pelo festival, em parceria com o People’s Palace Projects, dirigido pelo britânico radicado no Brasil, Paul Heritage, com o centro de pesquisa britânico da Queen Mary University of London, com a Associação Indígena Kuikuro do Alto Xingu (AIKAX) e com o Núcleo de Estudos em Economia Criativa e da Cultura (NECCULT/UFRGS).

Foram dias e noites intensos, com experimentações musicais e visuais inesquecíveis.  Tivemos a videoarte de Tarik Barri (Holanda) na performance “Continuum AV”; o espetáculo de ruídos e luzes “Field”, de Martin Messier (Canadá); o minimalismo digital de Alex Augier (França) em “_nybble_” e a performance arrebatadora da Quasi-Orquestra. Presenciamos o cinema sensorial de Carlos Casas (Espanha), ao lado do Chelpa Ferro, com intervenções de Neil Leonard e Nikhil Uday Singh; uma instalação do coletivo Manifestação Pacífica e o virulento show do Ninos du Brasil (Itália). Curtimos também o desfile coletivo do Looping: Bahia Overdub, a música desafiadora do DJ Coni (França) e as obras de DMTR, Fabiano Mixo e Gabriela Mureb.

“Pudemos explorar e investigar o som com especial atenção como jamais havíamos pensado. Tivemos dez diferentes línguas de países que representaram a multiplicidade e riqueza de nosso line up” – conta o curador. –“ Coletamos sons com gravações de campo do Xingu e com os barulhos do público na abertura. Registramos também todas as performances durante o festival.” 

Depois de organizar todos esses sons e registros, o festival convidou Nado Leal e Calbuque, com suas vivências como DJs, para criar um remix livre e pessoal do que aconteceu na temporada 2017 do Multiplicidade. O resultado é uma peça nova, única, (re)criando camadas hipnóticas e poéticas com um novo corpo sonoro. Lado A (Nado), lado B (Calbuque).

“Poder trabalhar e reorganizar artistas como Carlos Casas, Chelpa Ferro , Alex Augier, Dmtr, entre outros, foi provocador”  – admite Nado. – “Mas aos poucos foi nascendo essa faixa ininterrupta, às vezes lúdica, em outras brutal e incômoda.”

“Foi um desafio que me pegou de surpresa e me estimulou muito” – conta Calbuque. – “Vi todas as apresentações do festival e sabia o contexto exato de cada som que tinha nas mãos. O que busquei foi re-contextualizar aquelas células musicais e tentar criar algo novo, sem perder o sentido de experimentação que marcou o festival. Foi um meticuloso trabalho de arquitetura sonora.”

Com o trabalho finalizado, o design recebeu um cuidado todo especial, com a direção de arte da Bold°_a design company, comandado por Leo Eyer. O resultado foi uma edição luxuosa com capa dupla, com encarte gráfico especial, com fotos em páginas duplas e uma bolacha em acrílico vermelha.

“É mais um registro e um documento histórico de uma longa caminhada. Regando a arvore que não para de crescer e gerar novos frutos.” – resume Batman Zavareze.

Ouça aqui:

O festival é um percurso que só vale quando é percorrido

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Por Batman Zavareze.

Fotos Batman Zavereze e Elisa Mendes.

Nesta temporada fui chamado de cacique, maestro, globetrotter, louco e há poucos dias como um cara que produz e faz. Que faz mesmo. Todas as classificações citadas acima foram feitas por pessoas que respeito e escuto. Esta percepção me instigou a escrever esta análise final da temporada, ou melhor, um desabafo de alguém que está totalmente embrenhado – da gestão a curadoria – por trás desta cena.

No último sábado, 11 de novembro, encerramos a temporada 2017 do Festival Multiplicidade mais intenso dos nossos 13 anos de vida. Um ano contaminado por um baixo astral sem fim, mas por incrível que pareça, tínhamos um cenário super positivo ao nosso redor e o festival voou em céu de brigadeiro.

Numa das apresentações, o jornalista Carlos Albuquerque (para mim, Calbuque), convidado para investigar, com olhar crítico, através de seus textos, todas as nossas experiências do ano, me perguntou, ainda atordoado ao sair do teatro do Oi Futuro Flamengo após a performance “Máquina – Parte I” de Gabriela Mureb, se aquele tinha sido o momento mais radical de nossa história.

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Hesitei, ainda com olhos ardidos do gás carbônico emitido pelos 20 motores que funcionaram como uma orquestra de rumores, numa espécie de deferência contemporânea a Luigi Russolo. Não consegui responder de bate-pronto porque passou um filme na minha mente, ao revés e acelerado, um time lapse de tudo o que tinha sido feito da criação do festival até ali.

Screen Shot 2017-11-16 at 12.08.29 PMO Multiplicidade surgiu em 2005, com performances inéditas, quinzenais, de maio a dezembro. No centro cultural, ele deu início a um diálogo de muitas possibilidades híbridas, que seriam atravessadas pela tecnologia. Promoveu encontros inusitados, cumprindo um papel plural e pioneiro, misturando linguagens que até então pouco se cruzavam, revelando ao público o papel da multiplicidade nas artes, quando ninguém ainda falava dessa sobreposição como regra artística.

Desde então, foram mais de 800 artistas de todo o mundo, mais de 300 performances, cerca de 70 mil pessoas presentes nas apresentações, 14 aparições no exterior, 11 livros editados, sete prêmios nacionais e internacionais, uma série no Canal Brasil que atingiu um milhão de pessoas e, por fim, três teses de mestrado e doutorado que tiveram o festival como tema de pesquisa. Somos e fomos um impacto na cidade, no público, na economia criativa e na cena artística ao longo de 13 anos continuados.

Por isso, balancei na resposta, porque, no fundo, sabia que radical é ter coragem para fazer um festival no Rio e no Brasil.

Em “2025”, ou melhor, em 2017, para o público e imprensa, o festival começou no dia 07 de outubro e durou “somente” 35 dias de atividades ininterruptas. Não é pouco, mas um festival com a ambição do Multiplicidade opera o ano inteiro, nunca para. Ele começa na conceituação, na captação, nas pesquisas, nas viagens, nas residências artísticas (este ano passamos 20 dias em agosto no Xingu com 15 artistas e produtores convidados), na convocação de artistas, na formação de equipe, nas burocracias, etc e etc.

Nossa loucura, utopia, resistência, insistência e romantismo artístico fazem com que ele comece muito antes do início oficial.

Nessa dinâmica, minha função como curador é um pouco mais profunda porque eu idealizei o festival que descrevo aqui. Mesmo sabendo de sua dimensão como plataforma artística para a cidade, ele é, na verdade, como um filho.

Por isso a carga emocional das decisões sempre é movida por extremos, seja na alegria, na loucura, na paixão, nos acertos e nos fracassos. Costumo dizer para a equipe mais antiga e já automatizada aos costumes de realização que precisamos ser mais curiosos com as fórmulas conquistadas para subverter o modelo da gestão do próprio festival. E aos mais novos, aos calouros da equipe, digo que preciso ser surpreendido e por isso, peço e incentivo que tomem o risco de executar e de errar para aprendermos sempre.

Este ano, tínhamos o norte conceitual do BARULHO. Queríamos estimular a nossa escuta e enxergar melhor o que está ao nosso redor, em meio às distopias do mundo atual e junto às muitas metáforas surgidas quando pensamos em “fazer barulho”

Para ajudar a consolidar essa idéia, nos apropriamos da poesia concreta de Lenora de Barros e Raul Mourão, com design de Marcelo Pereira.  E ela passou a marcar o festival, com um vídeo piscando em negativo e positivo: OBARULHOÉVISUAL / OBAGULHOÉVISUAL.

Na estreia, tivemos a Quasi-Orquestra, com músicos sinfônicos virtuosos desafiados a tocar, de forma fragmentada, pelos oito andares do Oi Futuro Flamengo.  Provocada pela orquestra durante uma interpretação furiosa da imortal “Carmina Burana”, a plateia reagiu, indignada, com um coro de “Fora Temer”.

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Em seguida o coletivo oculto Manifestação Pacífica subiu o tom com a panfletagem do pior do Brasil, numa instalação performática sobre os nossos políticos.

A primeira atração estrangeira foi o francês Alex Augier, com “_nybble_”, uma performance-escultura-instalação com projeções holográficas sincronizadas com um potente som eletrônico.

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Com a chegada dos Kuikuros – resultado de uma residência artística iniciada antes do início do festival, com uma visita à sua aldeia, no Alto Xingu -, nós “perdemos o chão”. Não me conformava em fazer um festival no Brasil, com multiplicidade no nome, sem uma ocupação legítima de artistas indígenas.  E eles vieram como uma força da natureza, com seus rituais, suas linguagens, sua música e sua dança. A magia ficou completa com a instalação de realidade virtual “Xingu Ensemble”, de Clelio de Paula.

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Sem parar o bonde, artistas brasileiros residentes – DMTR e Fabiano Mixo – viveram uma imersão de construção colaborativa do que seria apresentado em diferentes momentos dentro do festival. Essa exposição do processo coletivo resultou em “Tempestade Midi”, de DMTR, “Mulher sem bandolim”, de Mixo.

Em paralelo às atrações principais, criamos uma residência artística no térreo do centro cultural ao longo de toda temporada. Foi um espaço inspirado na obra “Tropicália”, de Hélio Oiticica, que mais parecia um aquário de ideias e criações multicoloridas. Nesse local, chamado de Multi_Lab, aconteceram instalações, debates, workshops com brasileiros (incluindo os dez indígenas Kuikuros que estiveram conosco no festival) e estrangeiros, e também algumas performances singulares chamadas carinhosamente de QUEPORRAÉESSA?!!!

Então foi a vez de Gabriela Mureb, que chegou pedindo máscaras contra ingestão de gás carbônico, 20 motores barulhentos e um rigor de uma orquestra mecânica. “Máquina -Parte I” foi, definitivamente, nosso momento mais inusitado e – por que não dizer? – radical.

E como se já não estivesse suficientemente intenso, bateu uma ansiedade muito forte quando partimos para a Zona Portuária, ao Éden e a Utopia, nos últimos dias do festival. Conosco, vieram artistas do Sri Lanka, Itália, Espanha, Índia, Canadá, França, Inglaterra, Holanda, Estados Unidos e, claro, Brasil. Nomes que frequentam os maiores festivais internacionais de arte e tecnologia. A vanguarda audiovisual contemporânea em nossa culminância. Era como se tivéssemos pescado um pirarucu – o melhor e mais desejado peixe de nossos almoços na aldeia dos Kuikuros – e posto a mesa para o deleite do respeitável público.

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Começamos o Ocupa_Porto no Éden com “Avalanche”, o filme de Carlos Casas, que foi remixado ao vivo por artistas sonoros como Chelpa Ferro e Neil Leonard e Nikhil Uday Singh, ambos da Berklee College. Ainda nesta noite, Nado Leal fez um DJ set com sons pop eletrônicos da ásia central. Foi uma introdução para o dia seguinte, quando aconteceria a maior ocupação física do festival.

A programação desenhada não era nada popular. Era uma viagem ousada a vários lugares do mundo, tudo dentro de um armazém apropriadamente chamado Utopia.

Num espaço monumental para 4.000 pessoas, propomos algo para “somente” um grupo seleto de mil pessoas. Criamos uma house mix, que chamávamos de “Apollo”, para controlar e enxergar onde a luz deveria ser valorizada. Vídeos e sons funcionaram como um balé imersivo, no qual público e artistas seriam parte do mesmo jogo. Montamos um aparato para comandar uma ópera de um dia só.

Cansado da travessia e sem a menor chance de recuar, confesso que veio uma nuvem de pessimismo, seguido por um lapso de insegurança, pouco antes de abrirem os portões, afinal, todos os eventos possíveis e gratuitos aconteciam no mesmo sábado. Mas quem faz um festival sabe que, no fundo, “o que a vida quer da gente é CORAGEM”, frase de Guimarães Rosa que me persegue. Ao lembrar dela, minha chave mental apontou para uma única seta. VAI SER INESQUECÍVEL!!

Novamente o “BARULHO/ BAGULHO”, de Lenora de Barros e Raul Mourão, foi presente, projetado em duas telas enormes. Na sequência, o DJ francês Coni nos conduziu por sons e texturas contemplativas até a chegada do tão aguardado artista canadense Martin Messier. Em “Field”, ele criou um nervoso teatro de sombras com uma estrutura de peças e campos magnéticos, algo difícil de reproduzir em palavras. Teatro moderno digital.

Logo depois, Paul Jebanasam e Tarik Barri mostraram sua hipnótica performance audiovisual “Continuum AV”.  Alguns corajosos sentaram e viajaram naquela densa abstração.

A partir dali, a energia só subiria, com o Looping: Bahia Overdub (numa coapresentação com o Festival Panorama), depois com o Ninos du Brasil e, por fim, com a Vizinha Faladeira. Dub, punk e samba, todos afinados e conduzidos pela animação. As portas de saída do armazém foram abertas às 3h. Como um cortejo de carnaval, todos saíram atrás da bateria da escola até o porto maravilha.

Foram dez línguas faladas ao longo de 35 dias, desde a residência no Xingu até aquela Utopia. Depois de tantas vivências inesquecíveis, é preciso dizer: Obrigado / Thank you  / Merci / Grazie / Gracias/ Aingo Hegüei / Graciès / Bedankt  / Stutiyi / Dhanyavaad.

E a última frase cantada no Armazém da Utopia apontou para o nosso próximo alvo: “Como será o amanhã?”

Em 2018, começaremos nossa pesquisa justamente sob a regência do AMANHÃ.

Ainda ecoando tudo que fizemos, parto na próxima semana para participar do encerramento da Bienal de Veneza, seguindo depois para o Festival de Live Cinema Fotônica, em Roma, e para uma visita rápida ao centro de arte digital ZKM, em Karshule. Tudo para pesquisar o nosso novo tema.

Até AMANHÃ!!!

Batman Zavareze

Festival Multiplicidade

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Na despedida, sons, imagens e danças inusitadas numa rave para os sentidos

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Por Carlos Albuquerque

Depois do Éden, a Utopia. Ao ocupar o porto no derradeiro momento de sua programação de 2017, o Multiplicidade se expandiu em busca de uma nova harmonia. Como expansões de universos são fenômenos baseados em relatividades, foi uma noite de sínteses e avanços, de batucadas e beats, de trovões metálicos e chuvas de lava digital, de vazios e cheios, de estática e dança, de tensão e prazer, de silêncio e distorção. O Armazém transformado, nem sempre plenamente, numa rave para os sentidos.

Na chegada, ecos do passado. Numa montagem do DJ e produtor Nado Leal, o enorme espaço, iluminado por uma intrigante luz vermelha, dava reverberação a samples das atrações anteriores do festival: a anti-sinfonia da Quasi-Orquestra, o canto dos Kuikuro, a eletrônica de Alex Augier etc. A provocante instalação fotográfica “Você pode me ouvir?”, de Elisa Mendes, que confrontava imagens do evento com o barulho de tiros na ocupada favela da Rocinha, e a poesia visual de Lenora de Barros (em parceria com Raul Mourão), piscando em toda parte, completavam a hipnose da recepção.

Com sensibilidade, o francês Coni – primeira atração da noite – manteve o clima, construindo um set abstrato, mais de texturas do que de grooves. Depois, no palco instalado na outra extremidade do armazém, começou o terremoto de baixa intensidade criado pelo artista canadense Martin Messier ao deslocar suas placas eletrônicas. Deixando fluir seu passado de baterista punk, ele batia nos pedaços de metal com fios em vez de baquetas, gerando uma série de ruídos residuais, completados por um giro incessante de sombras. O veneno da lata em performance.

O show sensorial prosseguiu com a combinação de Paul Jebanasam (Sri Lanka) e Tarik Barri (Holanda). Já uma experiência transcendental nos fones de ouvido, o álbum “Contiuum”, de Jebanasam, explode como um vulcão na versão audiovisual, criada por Barri, expelindo uma chuva de lava digital no telão. Por instantes, pareceu que “o olho que tudo vê”, de Tolkien, tinha aportado ali, enfeitiçando todos os presentes.

Então veio o despertar.

Fazendo do chão o seu palco, o Looping: Bahia Overdub deu um reboot na noite, com um arrepiante mix de poesia, ativismo e dança. Iniciada sem muito alarde, como uma simples roda de dança, a performance do grupo – que atuou como um sound system ambulante, com MC, DJ e caixas de som iluminadas – foi crescendo aos poucos até se transformar numa catarse coletiva, ao som de axé, trap e funk, deixando um rastro de corpos suados pelo caminho, entre eles o do DJ Coni, que pôde ser visto se acabando atrás do multitrio elétrico.

Com a ingrata tarefa de seguir esse desfile, os Ninos Du Brasil retomaram o palco com energia punk. Sem o mesmo balanço do LBO, a dupla – disfarçada com máscaras e pinturas – fez o seu discurso com força, repassando o delirante álbum “Vida eterna” em alta intensidade, no momento mais próximo de um show de rock de toda a noite. Seu batuque industrial combinou, de passagem, com a entrada em cena da tradicional escola Vizinha Faladeira. Através dela, o enredo, o conjunto, a harmonia, as alegorias, os adereços e a fantasia de 36 dias de sons e imagens inusitados acabaram em samba.

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