Impressões sobre o S.A.R.C. no Happenings@Panorama@Multiplicidade 2012


PROGRAMAÇÃO HAPPENINGS@PANORAMA@MULTIPLICIDADE 2012
Instalação e Exposição – 08 a 17 de Novembro
Helen Cole & Alex Bradley – We See Fireworks
Manuel Vason – Still/Movil
Performance 09/11
O Grivo – Buretas
Performance 15/11
Miguel Ortiz, Anna Weisling e Marco Donnaruma (S.A.R.C.)
Performance 16/11
Thembi Rosa + O Grivo – 1331′ Timeline
Performance 17/11
Siri
Chelpa Ferro
Fausto Fawcett + Carlos Laufer & Os Robôs Efêmeros

 

Miguel Ortiz é um pesquisador é um compositor e artista sonoro mexicano baseado em Belfast e envolvido em uma série de atividades relacionadas à música moderna e arte sonora, onde explora uma vasta gama de realização de meios que vão desde instrumentos acústicos tradicionais, como violoncelo e trompete, até o desempenho e improvisação com laptops e bio-instrumentos através de sensores.

Anna Weisling é uma artista visual norte-americana cujo trabalho permeia as artes sônicas, com pesquisa de mestrado em cima de novas áreas e plataformas de interatividade audiovisual e novas mídias.

Marco Donnarumma é músico, pesquisador e programador, além criador do Xth Sense, um set de sensores que captam os batimentos cardíacos e fluxo sanguíneo do usuário para gerar posteriormente intervenções sonoras amplificadas e peças visuais.

Estes os três artistas possuem uma trajetória desenvolvida dentro ou com a ajuda do Sonic Arts Research Center (S.A.R.C.), laboratório sonoro fundado em Belfast pelo compositor alemão Karlheinz Stockhausen, que lida com pesquisas focadas em novas formas de performance e percepção sonora. O laboratório baseia-se em um conceito interdisciplinar ao realizar produções artísticas no campo da música eletro-acústica, performances transmídias e instalações, bem como de pesquisa de tecnologia de áudio e atividades educativas.

Apresentado no dia 15 de Novembro, a performance do trio iniciou-se com Miguel Ortiz, onde sensores ligados ao seu cérebro captavam movimentos de ondas cerebrais e sinapses para gerar sons. Sentado à frente de um projetor, o artista recebia uma projeção de seus órgãos internos, também captados por eletrodos, que reproduziam ao vivo seus batimentos cardíacos, respiração e outros movimentos peristálticos, onde o artista era foco único dentro do enorme galpão do centro cultural Hélio Oiticica.

Já emendando a apresentação, Anna passou a controlar o sinal de vídeo de um projetor posicionado no teto do galpão, com a música sendo gerada a partir de movimentos corporais captados pelos sensores de Marco e Miguel.

Todo o movimento dos dois era mesclado com as influências visuais comandadas por Anna, gerando música através de ruídos e distribuídos pelo ambiente, junto à uma projeção dos fundo do palco criada pela artista.

Após uma pequena pausa, foi a vez de Marco Donnarumma apresentar sua premiada performance Hypo Chrysos, livremente inspirada no sexto círculo do Inferno de Dante, onde o poeta encontra os hipócritas andando vestindo mantos dourados cheios de chumbo. Segundo o livro, a cena representa o castigo de Dante para a falsidade escondida atrás de seu comportamento, um uso malicioso da razão, que ele considerava única para os seres humanos.

Usando o braço para puxar duas cordas amarradas para blocos de concreto, Marco se esforçava para caminhar ao longo do palco com grande esforço. As cordas são de curto alcance, e obrigando-o a dobrar levemente o tronco para a frente, enquanto seus quadris se moviam para trás para manter o equilíbrio de dois blocos de 15 kg, o que lhe parecia gerar uma enorme carga de dor e cansaço.

O Xth Sense captava seu fluxo sanguínio, batimentos cardíacos acelerados e contorsão muscular criavam uma música extremamente forte, representando tudo que o artista sofria e dividia o som em um sistema octofônico montado especialmente para a apresentação, acompanhado de uma carga visual intensa criada pelo artista.

Tanto o tom do vermelho quanto sua intensidade de violento eram modificadas de acordo com a reação do artista. Completamente exausto, Marco finalizou a apresentação após 30 minutos de dor, cansaço e exaustão física, onde seu corpo foi o instrumento musical presente e fundamental da apresentação.

Esse trabalho do trio foi o primeiro a abrir a série de performances do Happenings, que envolveu três dias no Cultural Hélio Oiticica, além de uma semana de exposição, com diversos artistas nacionais e internacionais.

Doze perguntas para Marco Donnarumma

 

1_Como é a sua base até chegar a desenvolver esses projetos?

Trabalho desde 2004 no campo de live media e performance. Meu dia-a-dia compreende em computadores, corpos, sons e imagens. Nos últimos cinco anos, venho criando performances que envolvem novas medias, instalações audiovisuais, e também participando criativamente em sistemas como cenários interativos para casas de espetáculos. Assim, venho desenvolvendo minhas próprias ferramentas para que a mensagem que quero passar seja feita da forma mais transparente, então eu gosto de criar meu próprio software usando ferramentas opensource e gratuitas e, posteriormente, criar dispositivos que posso aplicar em meu corpo.

2_Você pode falar um pouco da importância do Goldsmiths Digital Studios e do SARC no seu trabalho?

GDS e SARC vêm sendo excelentes centros de pesquisas por anos, mas apenas agora nós estamos contribuindo para a troca e também colaborações entre projetos e performances. No GDS, eu faço parte da equipe de pesquisa, liderado pelo artista e professor Atau Tanaka, pesquisando novas maneiras de execução e também interação entre público e música. Nós estudamos design de novos instrumentos musicais tentando fazer uma conexão com biotecnologia, o que é a minha área de especialização, junto com Inteligência Artificial, de forma que desenvolvemos novas noções musicais. Já o SARC representa a vanguarda dentro da música e sua relação com a emoção. Pesquisadores como Benjamin Knapp (que foi para o Virginia Tech recentemente) e Miguel Ortiz (nosso colaborador) têm focado seus trabalhos no entendimento da emoção na performance musical. Nosso interesse comum está aplicado ao “Liminal Corpus”, uma nova performance biomedia que apresentaremos no Rio junto com Anna Weisling e Miguel.

3_Em geral, qual importância da Goldsmith Digital Studios e Sarc Media Lab como instituições comparados a outros laboratório pelo mundo?

Não acho a comparação algo apropriado, pois todos os centros pelo mundo são igualmente importantes. No entanto, a relevância do GDS e do SARC para o nosso campo – novas tecnologias para performance musicais – é algo que fica claro nos trabalhos que estamos desenvolvendo. Acredito que o aspecto mais valioso de trabalhar num centro como o nosso é a capacidade de se conectar com outras pessoas e compartilhar técnicas e ideias. Um ambiente acadêmico pró-ativo pode ser incrivelmente produtivo.

4_ Você pode explicar as tecnologias usadas na sua performance e quem as criou?

A ideia geral por trás da nossa pesquisa – seja no GDS, seja no SARC – é a visão de um corpo que sofre intervenções de tecnologias. No GDS, nós trabalhamos com uma variedade de novos instrumentos musicais, como o Xth Sense (meu instrumento biofísico), o Biomuse (uma das interfaces pioneiras desenvolvidas por Benjamin Knapp e Hugh Lusted e usada por mais de 20 anos nas performances de Atau Tanaka) e o Mogees (uma interface que reconhece movimentos e gestos criada por Bruno Zamborlin). O SARC é referência na pesquisa de ondas cerebrais e outros sinais emitidos pelo corpo que são usados para performances musicais.

5_ Há alguma descoberta acadêmica ou científica que pode ser usada em outras áreas, além da performance artística em si?

 O que acho fascinante nesse trabalho é a troca constante entre ciência e arte. As tecnologias que usamos vêm originalmente desses estudos científicos, e são modificadas nos nossos centros de pesquisa para se adequarem a um propósito artístico. Isso pode ser incrivelmente útil, e dá como retorno para ambos os campos (científico e artístico) uma ferramenta que, embora não tenho sido desenvolvida para esse propósito específico, pode ser usada em diferentes objetivos.

6_Qual o futuro da arte nesse campo de diálogo entre ciência e tecnologia?

Tecnologias serão em breve tão transparentes no nosso dia-a-dia (já são, de certa forma), que isso faz com que fique cada vez mais difícil estar de fora dessa interação entre nós, tecnologia e o mundo. Computadores vão desaparecer diante dos nossos olhos e estarão onipresentes no nosso meio – e talvez nos nossos corpos também. Espero que até que isso aconteça tenhamos desenvolvido outra linguagem criativa, diferente da que estamos adeptos hoje em dia. Uma gama de ideias que não precise mais do avanço tecnológico para mudar a maneira com que expressamos nossa criatividade, mas alguma coisa que nós realmente tenhamos que descobrir.

7_ No campo das novas possibilidades tecnológicas, não apenas na arte, o que te impressiona?

Sempre me questiono sobre o fato de que nós ainda não produzimos um avanço tecnológico provavelmente desde a invenção do telefone. Gravação de sons e sua reprodução (analógica e digital) é uma das últimas novas tecnologias inventadas. O resto é uma reelaboração de velhas ideias, que não afetam diretamente a maneira com que vemos e vivemos no mundo ao nosso redor. Hoje, por exemplo, um computador é como um abacus, mas com a capacidade de cálculo de milhões em um curto espaço de tempo.

8_ “Hypo Chrysos” é visualmente impactante e hipnotizante. Quais são as referências e inspirações por trás desse projeto?

Há uma referência clara ao Inferno de Dante Alighieri, da Divina Comédia – um texto que, com certa sátira, descreve a viagem de Dante pelo Inferno, Purgatório e Paraíso. Na visão de Dante, o inferno é formado por círculos onde, cada um, corresponde a um tipo de pecado, e cada um com sua punição. Em um dos menores círculos, ele encontra os hipócritas, para os quais a punição é andar sem direção, vestindo uma capa feita de aço.

9_ Você pode nos falar um pouco sobre o desenvolvimento da performance que será apresentada no palco do Happenings/Multiplicidade? Embora você use um equipamento de alta tecnologia, existe algo de primitivo e tribal na maneira como você se movimenta com as cordas e as pedras.

Sim, isso é recorrente nos meus trabalhos. A tecnologia fica de fundo para que o foco esteja na percepção e na experiência física do público diante da performance. O desenvolvimento é rápido e fácil. Eu sou um amante da performance artística e hoje é raro ver novas tecnologias aplicadas a esse conceito. Então achei que havia aí um território a ser explorado junto a novas tecnologias, ciência e som. Um dos desafios foi achar um equilíbrio entre os vídeos e a minha performance  no palco. O visual é desenvolvido para apoiar e se integrar, e não ofuscar.

10_ Seu corpo responde aos estímulos de maneiras diferentes a cada performance? Há diferenças de um show para outro?

 Definitivamente. O corpo é um sistema improvável, então existem muitos agentes que afetam o seu estado, como a temperatura do ambiente, fatores de stress internos, alimentação etc. Tenho que estar focado em resistir às contrações musculares durante o espetáculo, e se deixo meu corpo ser afetado por condições externas, a performance não acontece. Por outro lado, quando estou ansioso, fico com a circulação sanguínea elevada, o que torna o som mais alto e mais rápido. Como consequência, a música muda totalmente e se torna mais densa, enquanto diferentes texturas vão aparecendo. É aqui que está o ponto mais interessante da performance: tenho que estar preparado para controlar não só a dor, mas também os sensores e os mecanismos psicológicos ativados pelo esforço contínuo e intenso.

11_ Como são esses cansativos e dolorosos 20 minutos em ação? Assistindo, parece haver algo como uma auto-punição. Há dor em cada movimento, mas, por outro lado, há um sentimento de aliviar as sensações e emoções através dessa dor.

Os blocos de pedra pesam 30 kg no total. Não é um peso impossível de se carregar, mas se torna um pouco difícil depois de carregar por um determinado tempo. No começo, não é doloroso, mas, depois de 5 minutos de esforço, as cordas começam a queimar a minha pele, e nos 10 minutos seguintes a dor na coluna começa a ficar difícil de suportar. Cada passo aumenta a dor, mas, ao mesmo tempo, conduz para o alívio final depois de tanto esforço. Normalmente, no dia seguinte, sofro de febre muscular. Depois de tanto esforço, os músculos ficam rígidos, e por isso a dor, porém essa é uma forma de prevenir maiores danos, pois a adaptação ao estado normal, de volta, foi muito rápida. Cada movimento se torna doloroso, por isso um ensaio, por exemplo, tem que ser dois dias antes da performance em si. Meus movimentos não são concebidos para tocar música, mas apenas para mover as pedras. A música e o visual surgem do interior do meu corpo, em vez de serem controlados por ele.

12 – Como os seus movimentos e sons atingem o público? E como esse público responde durante o show? Há uma troca que influencie suas reações no palco?

 Penso que a interação com o público acontece de duas maneiras. Existe um lado emocional que permite que o público desenvolva uma empatia com o performer, simplesmente porque é evidente o esforço crescente durante a performance. E o outro lado é um pouco mais complexo. O som que sai dos meus movimentos é reproduzido por 8 speakers. Essa ressonância do corpo faz com que haja uma conexão do meu corpo com os corpos da plateia. E isso só acontece porque a música que estamos presenciando está sendo gerada por um corpo em movimento. No fim da estreia na Espanha, em dezembro do ano passado, algumas pessoas disseram que seus próprios braços doeram, porque eles foram contraindo seus músculos, durante o espetáculo, sem nem perceber. Isso foi tão interessante, que eu comecei a estudar esse fenômeno, e eventualmente juntar alguns estudos científicos de um trabalho chamado “Proprioception, effort and strain in Hypo Chrysos: action art for vexed body and the Xth Sense”.

Marco Donnarumma e sua performance Hypo Chrysos

Performers ligado ao S.A.R.C. (Sonic Arts Research Center) e atração do Happenings@Panorama@Multiplicidade 2012Marco Donnarumma é um artista sonoro e de novos meios de comunicação, performer e professor academico nascido na Itália e baseado em Londres cujo trabalho envolve uma discussão em torno da pesquisa sobre biomedia, performance musical e teatral, práticas participativas e codificação de subversivo.

Seu sistema biofísico Xth Sense ganhou o primeiro prêmio no Concurso de Instrumento Musical Margaret Guthman e foi nomeado o 2012 o “instrumento musical mais inovador do mundo” pelo Georgia Tech Musical Center, nos EUA. Recentemente, ele foi o curador da publicação Práticas de Desempenho de Biotecnologia (eContact!, 14,2).

Seus projetos foram documentandos pela Reuters, Wired, Create Digital Music, We Make Money Not Art, Rizoma, Weave, DigiCULT, e apareceu no livro “Nova Arte / Ciência Afinidades” (CMU e Studio para Creative Inquérito, EUA). Artista residente no Inspace (Reino Unido) e da Escola Nacional de Teatro e Dança Contemporânea (DK).

Hypo Chrysos (HC) é uma obra de arte de ação para o corpo atormentado e mídia biofísicos. Durante esta ação 20 minutos, Marco puxa dois blocos de concreto em um círculo com movimento é opressivamente constante, obrigando-se a aceitar a dor até que a ação termine.

A pressão crescente em seus tecidos corporais produz sinais contínuos bioacústica, onde o som do fluxo de sangue, explosões de contração muscular, óssea e crepitação são amplificados, distorcida, e jogado para trás com oito alto-falantes usando o instrumento biofísico Xth Sense, criado pelo autor. O mesmo fluxo de dados bioacústico excita um enxame OpenGL gerado de entidades virtuais, luzes e formas orgânicas difundidas por um projetor de vídeo. Essa obra reúne diferentes mídias para um como para criativamente explorar os processos em que a auto-percepção e esforço físico  colidem.

HC é livremente inspirado no sexto círuclo do Inferno de Dante, onde o poeta encontra os hipócritas andando vestindo mantos dourados cheios de chumbo. Foi castigo de Dante para a falsidade escondida atrás de seu comportamento, um uso malicioso da razão, que ele considerava única para os seres humanos.

Usando o braço para puxar duas cordas amarradas para blocos de concreto, Marco se esforça para caminhar ao longo do palco. As cordas são de curto alcance, e obrigando-o sedobrar levemente o tronco para a frente, enquanto seus quadris se movem para trás para manter o equilíbrio de dois blocos de 15 kg.

O escopo do trabalho é transmissão dessa alteração sensorial para os corpos dos membros da audiência. Quando a vibração do músculo do artista passa a enviar sons para o mundo exterior, este invade os corpos dos membros da audiência através de seus ouvidos, pele, músculo e receptores sensoriais.

Happenings dia #1 – 15/11 – Marco Donnarumma + Miguel Ortiz + Ana Weisling

O Festival Multiplicidade – em parceria com o Festival Panorama – apresenta, no próximo dia 15, dentro do Projeto HAPPENINGS, um espetáculo de biomúsica com a performance de Marco Donnarumma, Miguel Ortiz, Anna Weisling no Centro de Artes Hélio Oiticica. Os três apresentarão uma pesquisa científica de vanguarda onde utilizam o corpo humano para gerar música, sons e interferências visuais junto a softwares de ponta. Essa pesquisa única e inovadora tem como berço o SARC (Sonic Arts Research Center), um laboratório multimídia criado com a supervisão do compositor Karlheinz Stockhausen, na Irlanda do Norte, e que a curadoria do Festival Multiplicidade traz com exclusividade ao Brasil.

Marco Donnarumma traz o espetáculo “Hypo Chrysos”, no qual interage com pedras presas aos próprios braços e que, através de seu esforço para arrastá-las, geram sons totalmente novos e imagens, que serão reproduzidas em uma tela no fundo do palco. Em seguida, Marco se juntará a Miguel Ortiz e Anna Weisling para uma performance exclusiva unindo música, alta tecnologia visual e pesquisas científicas inovadoras, três elementos que resultam na vanguarda que o SARC representa hoje.

HAPPENINGS@PANORAMA@MULTIPLICIDADE 2012  – Dia #1
Marco Donnarumma + Miguel Ortiz + Anna Weisling (Sonic Arts Research Center/ Irlanda do Norte)

Dia 15 de novembro (quinta-feira)
Local: CENTRO DE ARTES HELIO OITICICA – Rua Luiz de Camões, 68 (Rio de Janeiro)
Horário: às 19h no teatro: Marco Donnarumma + Miguel Ortiz + Anna Weisling
Entrada: grátis
Capacidade do teatro: 100 lugares
Censura: Livre

info@multiplicidade.com
Curadoria: Batman Zavareze