Sanannda Acácia lança “There’s No Such Animal”

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Acaba de ser lançada a segunda aparição em álbum do projeto Quasicrystal, There’s No Such Animal, da artista visual e sonora Sanannda Acácia.
Em setembro, Sanannda participou da abertura do #Multiplicidade2018 com Aproximação por QuasiCrystal, mostrando, durante sua apresentação, que tem sensibilidade ímpar e uma propriedade rara sobre sua obra. Além da apresentação na noite de estréia da mostra, a artista também ministrou um workshop extremamente instigante onde apresentou suas referências conceituais e seus processos de criação sonora. Sanannda parte do princípio que todo sólido apresenta uma estrutura cristalina e quase todo mineral apresenta uma estrutura cristalina em sua composição molecular atômica. Ela explora, assim, a quebra sutil de periodicidade das estruturas cristalinas.
Radicada no Rio de Janeiro, ela participa ativamente da cena underground da cidade e faz música desde de 2013. O projeto Quasicrystal se inspira em ciência e cristalografia para criar som. As sonoridades criadas dão densidade a topografias e universos ficcionais inspirado em ciência e magia. Sanannda explora o uso de sintetizadores, gravações de campo, sampling e procedimentos com fita k7. Graças a esses processos, a artista pode esculpir topologias e dar vida aos fantasmas.

Neste segundo momento do projeto Quasicrystal, as limitações do meio seguem como potenciais criativos de vida, arte e ficção, numa busca pela materialidade dos engendramentos de sua obra. Segundo a própria Sanannda, “Quasicrystal é um projeto que abriga as temáticas de topografia e imaginação. Quasicrystal é uma estrutura cristalina que não possui célula unitária e nem padrão de repetição periódica em seu esqueleto, algo dado por muito tempo como impossível nos sólidos.”
There’s no such animal é ruído e melodia. A arte sonora de Sanannda habita os espaços limítrofes do som e do pensamento como forma de vida e arte.

O novo álbum está agora no ar, para escuta e download, no bandcamp da Seminal Records. Nele, Sanannda Acácia oferece dez litanias espectrológicas de ruídos, pedais e vozes.
Com suas experimentações sonoras, Sanannda traz uma experiência mais corpórea e presente no espaço visível, criando criando paisagens sonoras que vibram com o som e com as intensidades do corpo, buscando inspiração na ciência para fazer música.

OUÇA AQUI!
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A vida entrelaçada em um iceberg

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Para o meio ambiente, os icebergs são o canarinho na mina de carvão. São esses gigantescos blocos de gelo que dão os primeiros sinais de alterações climáticas. E esses alertas não param de acontecer, como tem demonstrado inúmeros estudos científicos e reportagens sobre o aquecimento global.

Para artistas como Fernando Velázquez – em cartaz no #Multiplicidade2018 com a obra em VR “Iceberg” – e Adriene Hughes, tais formas são também uma poética inspiração para refletir sobre a relação entre ser humano e natureza.

Após uma viagem de 20 dias à Groenlândia em 2015, a artista visual norte-americana  criou o belíssimo ensaio fotográfico “Threaded icebergs”, no qual insere linhas geométricas, semelhantes aos fios de uma tecelagem. Através delas, simboliza a passagem do vento, da luz, da água e do tempo por essas montanhas de gelo. “São como histórias do passado, presente e futuro esculpidas nos icebergs”, descreve ela em seu site.

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Dez coisas que aprendemos sobre Phill Niblock

Phill no LabSonica, onde apresentou raridades de sua coleção

Niblock no Lab Oi Futuro, onde mostrou seus filmes e apresentou raridades de sua coleção de fotos

Ele chegou devagarinho, como é de esperar de um homem de 85 anos. Aos poucos, porém, Phill Niblock – cineasta, fotógrafo e mestre Jedi dos sons minimalistas – foi se soltando. Depois de uma ruidosa performance na noite de estréia do Multiplicidade 2018, de duas palestras no Lab Oi Futuro (nas quais mostrou slides recém-descobertos de suas viagens ao Brasil nos anos 80) e de alguns papos informais, eis o que descobrimos sobre ele:

1) Só ouve jazz (quando ouve).
2) Não vai ao cinema desde os anos 70.
3) Considera John Cage seu mentor.
4) Gosta de ouvir sua música bem alta (não por acaso, os integrantes do Sonic Youth são seus fãs, o que o faz sorrir).
5) Raramente lê jornais (“A última vez acho que foi há seis meses”).
6) É amigo de Jocy de Oliveira, pioneira do trabalho multimídia no Brasil.
7) Diz estar bastante “incomodado” com a presença de Donald Trump na presidência dos EUA.
8) É formado em economia, mas nunca exerceu a profissão.
9) Não usa o celular para fotografar, mas carrega uma pequena câmera digital para registros e imagens (“Mas nada especial, só coisas triviais”).
10) É viciado em Paciência.

Uma estréia pontuada por desafios, reflexões e algum barulho

WhatsApp Image 2018-09-17 at 20.55.29Por Carlos Albuquerque

Obra em progresso gera obra em progresso. Para rebater a agressiva grandiosidade de um condomínio de três prédios que começa a ser erguido ao redor do Oi Futuro Flamengo – sufocando e abalando sua entrada principal – o arquiteto e artista plástico Pedro Varella gerou “Ações no pátio”, uma das mais instigantes atrações da estréia do Multiplicidade 2018. Subvertendo a estrutura e o conceito de uma construção em andamento – no caso, o muro escorado e o tapume instalado no local -, ele embaralhou necessidade técnica e proposta artística, realidade e imaginação, criando algo genuinamente singular. E em vez de um improvável tapete vermelho, abriu janelas, demarcou áreas de risco, aparou arestas e recebeu os convidados com um sinal vermelho de alerta que, em tempos incendiários, parecia dizer: “Centros culturais em perigo. Ressaca à vista”.

Lá dentro e também no IAB (Instituto dos Arquitetos do Brasil), outras metáforas, desafios e reflexões aguardavam quem chegava numa noite de segunda-feira de tempo instável, sujeita a chuvas e trovoadas. Na entrada, a realidade também era confrontada com a instalação de realidade virtual “Iceberg”, do artista uruguaio (radicado no Brasil) Fernando Velázquez. Uma fila se formou para adentrar o filme em 360º no qual blocos de gelo flutuam soltos em um ambiente de gravidade zero, simbolizando a conflituosa relação do homem com o ambiente.

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Um andar acima e no primeiro piso do IAB – que recebia também o lançamento do vinil “Barulho”, com sons da edição 2017 do festival -, a viagem era mais palpável, com a espetacular obra “Tape”, do coletivo croata Numen. Feito com quilômetros de fita adesiva, o concorrido trabalho penetrável fazia lembrar um enorme casulo ou uma gigantesca teia de aranha (ou ainda o ventre de um “alien”, lembraram alguns mais afeitos à ficção-científica). Os passeios pelo seu interior – três pessoas de cada vez – eram feitos em meio a uma alegria quase infantil e também uma sensação de insegurança e estranhamento. “É uma volta ao útero, só que já adulta”, resumiu uma mulher ao final da aventura.

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No teatro, a história era outra e remetia ao mote da edição anterior do festival, BARULHO, com as apresentações de Sannanda Acácia e Phil Niblock. Sannanda veio primeiro. Munida de computador, controladora, mixer e um amplificador valvulado, a artista sonora executou a obra “Aproximação”, com seu projeto Quasicrystal. Durante cerca de uma hora, ela construiu, progressivamente, uma densa paisagem de ruídos e distorções, sobrepondo texturas metálicas numa sinfonia siderúrgica, industrial, desafiadora, pontuada por flashes de luz estroboscópica. Ao final, Sannanda simplesmente saiu do palco e se sentou na platéia, sem definir um formal encerramento para a performance. Após alguns instantes de silêncio e indecisão, os aplausos vieram assombrados, nervosos, catárticos.

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Acompanhado pelo saxofonista Livio Tragtenberg, Niblock veio em seguida, na apresentação mais esperada da noite. Eminência da música de vanguarda, ele apresentou a obra audiovisual “Environments Series”, casando seus sons minimalistas com as imagens da série “The movement of people working”. Mostrando por que é venerado por artistas como Lee Ranaldo e Thurston Moore, do Sonic Youth, Niblock, de 85 anos, tocou alto, muito alto, criando um contrastante fundo musical para a plácida e repetitiva movimentação de pescadores chineses de ouriços do mar. O transe de sua ação só foi interrompido por um problema numa das caixas, que fez a performance chegar ao fim um pouco antes do previsto. Experiente com os imprevistos do meio ambiente, ele não se abalou e rumou dali, amparado por uma bengala, para um universo aparentemente mais controlado: o restaurante Lamas, onde fechou a noite.

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Fotos: Francisco Costa e Diana Sandes (Phill Niblock)

 

Caminhos de utopia, insistência e romantismo poético

Muros desabam, bairros se transformam, cidades cedem à gentrificação. Cabe a nós reinventá-las

Muros desabam, bairros se transformam, cidades cedem à gentrificação. Cabe a nós reinventá-las

“Acordar não é de dentro. Acordar é ter saída”
“Auto do Frade”, João Cabral de Melo Neto

No meio da travessia, o #MULTIPLICIDADE2018 aposta em uma fuga do espaço-tempo através da arte. Desde a Grécia Antiga, a busca por alternativas de sociedade perpassou a literatura e a arte, revelando outras narrativas: do distópico ao quimérico.

O tema ESPAÇOS UTÓPICOS norteia nossa curadoria em 2018. Em tempos nebulosos, nosso mote é o RESISTIR e o EXISTIR como únicas saídas [EXIT]. A força e visualidade destas palavras são o motor, o catalisador desta edição, pois como bem apontou o poeta Torquato Neto nos anos 70, “as palavras não são armas inúteis”. Desde sua primeira edição, o MULTIPLICIDADE é atravessado pelas reminiscências das tecnologias do passado e pelo desejo das tecnologias futuras, mas, no presente, o corpo humano ainda é o que está por trás de todas as invenções, tentando sempre resistir e buscar novas formas de existir num cenário à deriva. Muros desabam, bairros se transformam, cidades cedem à gentrificação. Cabe a nós reinventá-las, para que, através delas, possamos ressignificar paisagens imaginárias, em busca de futuros viáveis.

Neste ano, apresentamos obras que aspiram a um lugar melhor do que o aqui e agora. O line-up desta temporada é extremamente diverso, composto por artistas de diferentes horizontes e origens, e mostra como os escapes pela arte são plurais. A escolha por repertórios híbridos e indisciplinados acompanha o MULTIPLICIDADE desde sua origem. Por mais distintas que sejam suas linguagens, os trabalhos aqui reunidos são peças fundamentais num labirinto que tenta compor caminhos de utopia, insistência e romantismo poético.

Em 2018, o MULTIPLICIDADE propõe ao público outras formas de pensar, estar e habitar o espaço comum. A saída que nos move não aponta necessariamente para fora. Há saídas possíveis por entre e para dentro

Batman Zavareze
Curador do Multiplicidade

No ardente labirinto das ausências

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Por Cadu*

Uma Fênix forjou ninho em solo imperial.
Sobre as penas do uiraçu-verdadeiro, sobre Bendegó. Sobre as presas do tigre-dentes-de-sabre e sobre a pachorra da Preguiça Gigante.
Sobre as patas de Decapoda. Em casaco de intestino de foca, sobre o Rato-do-cacau, sobre o celacanto. Sha-Amun-en-su e Harsiese. Sobre Luzia.
Novamente sobre os afrescos de Pompéia. Sobre o Escudo do Uapés e sobre o Trono Daomé. Sobre a coleção Rondon. E sobre as vozes do Ilê Omolu Oxum.
Brahma, Vishnu e Shiva, Prometeu, Nhanderuvuçú e Empédocles a tudo assistiram.
Que a metalurgia se converta em arômatas curativos. Todas as cinzas, todo o desespero contemplado no limite da cegueira e da iluminação é a manifestação do clamor do tempo por renovação.
Segundo a lenda judaica, Deus escreveu as leis usando dois fogos: um branco e um negro.
Com o fogo negro, foram escritas as palavras. Com o fogo branco, os espaços entre as letras.
Durante sete mil anos, o homem lerá as palavras, mas nos próximos sete mil aprenderá a ler os espaços em branco.
Quando esse momento chegar, entenderemos o que se oculta no ardente labirinto das ausências.
O Departamento de Artes e Design da PUC-Rio demonstra tanto sua indignação quanto sua solidariedade no romper desta ainda incompreensível aurora.

* Cadu, artista plastico e professor do Departamento de Artes e Design da PUC-Rio

O festival é um percurso que só vale quando é percorrido

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Por Batman Zavareze.

Fotos Batman Zavereze e Elisa Mendes.

Nesta temporada fui chamado de cacique, maestro, globetrotter, louco e há poucos dias como um cara que produz e faz. Que faz mesmo. Todas as classificações citadas acima foram feitas por pessoas que respeito e escuto. Esta percepção me instigou a escrever esta análise final da temporada, ou melhor, um desabafo de alguém que está totalmente embrenhado – da gestão a curadoria – por trás desta cena.

No último sábado, 11 de novembro, encerramos a temporada 2017 do Festival Multiplicidade mais intenso dos nossos 13 anos de vida. Um ano contaminado por um baixo astral sem fim, mas por incrível que pareça, tínhamos um cenário super positivo ao nosso redor e o festival voou em céu de brigadeiro.

Numa das apresentações, o jornalista Carlos Albuquerque (para mim, Calbuque), convidado para investigar, com olhar crítico, através de seus textos, todas as nossas experiências do ano, me perguntou, ainda atordoado ao sair do teatro do Oi Futuro Flamengo após a performance “Máquina – Parte I” de Gabriela Mureb, se aquele tinha sido o momento mais radical de nossa história.

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Hesitei, ainda com olhos ardidos do gás carbônico emitido pelos 20 motores que funcionaram como uma orquestra de rumores, numa espécie de deferência contemporânea a Luigi Russolo. Não consegui responder de bate-pronto porque passou um filme na minha mente, ao revés e acelerado, um time lapse de tudo o que tinha sido feito da criação do festival até ali.

Screen Shot 2017-11-16 at 12.08.29 PMO Multiplicidade surgiu em 2005, com performances inéditas, quinzenais, de maio a dezembro. No centro cultural, ele deu início a um diálogo de muitas possibilidades híbridas, que seriam atravessadas pela tecnologia. Promoveu encontros inusitados, cumprindo um papel plural e pioneiro, misturando linguagens que até então pouco se cruzavam, revelando ao público o papel da multiplicidade nas artes, quando ninguém ainda falava dessa sobreposição como regra artística.

Desde então, foram mais de 800 artistas de todo o mundo, mais de 300 performances, cerca de 70 mil pessoas presentes nas apresentações, 14 aparições no exterior, 11 livros editados, sete prêmios nacionais e internacionais, uma série no Canal Brasil que atingiu um milhão de pessoas e, por fim, três teses de mestrado e doutorado que tiveram o festival como tema de pesquisa. Somos e fomos um impacto na cidade, no público, na economia criativa e na cena artística ao longo de 13 anos continuados.

Por isso, balancei na resposta, porque, no fundo, sabia que radical é ter coragem para fazer um festival no Rio e no Brasil.

Em “2025”, ou melhor, em 2017, para o público e imprensa, o festival começou no dia 07 de outubro e durou “somente” 35 dias de atividades ininterruptas. Não é pouco, mas um festival com a ambição do Multiplicidade opera o ano inteiro, nunca para. Ele começa na conceituação, na captação, nas pesquisas, nas viagens, nas residências artísticas (este ano passamos 20 dias em agosto no Xingu com 15 artistas e produtores convidados), na convocação de artistas, na formação de equipe, nas burocracias, etc e etc.

Nossa loucura, utopia, resistência, insistência e romantismo artístico fazem com que ele comece muito antes do início oficial.

Nessa dinâmica, minha função como curador é um pouco mais profunda porque eu idealizei o festival que descrevo aqui. Mesmo sabendo de sua dimensão como plataforma artística para a cidade, ele é, na verdade, como um filho.

Por isso a carga emocional das decisões sempre é movida por extremos, seja na alegria, na loucura, na paixão, nos acertos e nos fracassos. Costumo dizer para a equipe mais antiga e já automatizada aos costumes de realização que precisamos ser mais curiosos com as fórmulas conquistadas para subverter o modelo da gestão do próprio festival. E aos mais novos, aos calouros da equipe, digo que preciso ser surpreendido e por isso, peço e incentivo que tomem o risco de executar e de errar para aprendermos sempre.

Este ano, tínhamos o norte conceitual do BARULHO. Queríamos estimular a nossa escuta e enxergar melhor o que está ao nosso redor, em meio às distopias do mundo atual e junto às muitas metáforas surgidas quando pensamos em “fazer barulho”

Para ajudar a consolidar essa idéia, nos apropriamos da poesia concreta de Lenora de Barros e Raul Mourão, com design de Marcelo Pereira.  E ela passou a marcar o festival, com um vídeo piscando em negativo e positivo: OBARULHOÉVISUAL / OBAGULHOÉVISUAL.

Na estreia, tivemos a Quasi-Orquestra, com músicos sinfônicos virtuosos desafiados a tocar, de forma fragmentada, pelos oito andares do Oi Futuro Flamengo.  Provocada pela orquestra durante uma interpretação furiosa da imortal “Carmina Burana”, a plateia reagiu, indignada, com um coro de “Fora Temer”.

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Em seguida o coletivo oculto Manifestação Pacífica subiu o tom com a panfletagem do pior do Brasil, numa instalação performática sobre os nossos políticos.

A primeira atração estrangeira foi o francês Alex Augier, com “_nybble_”, uma performance-escultura-instalação com projeções holográficas sincronizadas com um potente som eletrônico.

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Com a chegada dos Kuikuros – resultado de uma residência artística iniciada antes do início do festival, com uma visita à sua aldeia, no Alto Xingu -, nós “perdemos o chão”. Não me conformava em fazer um festival no Brasil, com multiplicidade no nome, sem uma ocupação legítima de artistas indígenas.  E eles vieram como uma força da natureza, com seus rituais, suas linguagens, sua música e sua dança. A magia ficou completa com a instalação de realidade virtual “Xingu Ensemble”, de Clelio de Paula.

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Sem parar o bonde, artistas brasileiros residentes – DMTR e Fabiano Mixo – viveram uma imersão de construção colaborativa do que seria apresentado em diferentes momentos dentro do festival. Essa exposição do processo coletivo resultou em “Tempestade Midi”, de DMTR, “Mulher sem bandolim”, de Mixo.

Em paralelo às atrações principais, criamos uma residência artística no térreo do centro cultural ao longo de toda temporada. Foi um espaço inspirado na obra “Tropicália”, de Hélio Oiticica, que mais parecia um aquário de ideias e criações multicoloridas. Nesse local, chamado de Multi_Lab, aconteceram instalações, debates, workshops com brasileiros (incluindo os dez indígenas Kuikuros que estiveram conosco no festival) e estrangeiros, e também algumas performances singulares chamadas carinhosamente de QUEPORRAÉESSA?!!!

Então foi a vez de Gabriela Mureb, que chegou pedindo máscaras contra ingestão de gás carbônico, 20 motores barulhentos e um rigor de uma orquestra mecânica. “Máquina -Parte I” foi, definitivamente, nosso momento mais inusitado e – por que não dizer? – radical.

E como se já não estivesse suficientemente intenso, bateu uma ansiedade muito forte quando partimos para a Zona Portuária, ao Éden e a Utopia, nos últimos dias do festival. Conosco, vieram artistas do Sri Lanka, Itália, Espanha, Índia, Canadá, França, Inglaterra, Holanda, Estados Unidos e, claro, Brasil. Nomes que frequentam os maiores festivais internacionais de arte e tecnologia. A vanguarda audiovisual contemporânea em nossa culminância. Era como se tivéssemos pescado um pirarucu – o melhor e mais desejado peixe de nossos almoços na aldeia dos Kuikuros – e posto a mesa para o deleite do respeitável público.

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Começamos o Ocupa_Porto no Éden com “Avalanche”, o filme de Carlos Casas, que foi remixado ao vivo por artistas sonoros como Chelpa Ferro e Neil Leonard e Nikhil Uday Singh, ambos da Berklee College. Ainda nesta noite, Nado Leal fez um DJ set com sons pop eletrônicos da ásia central. Foi uma introdução para o dia seguinte, quando aconteceria a maior ocupação física do festival.

A programação desenhada não era nada popular. Era uma viagem ousada a vários lugares do mundo, tudo dentro de um armazém apropriadamente chamado Utopia.

Num espaço monumental para 4.000 pessoas, propomos algo para “somente” um grupo seleto de mil pessoas. Criamos uma house mix, que chamávamos de “Apollo”, para controlar e enxergar onde a luz deveria ser valorizada. Vídeos e sons funcionaram como um balé imersivo, no qual público e artistas seriam parte do mesmo jogo. Montamos um aparato para comandar uma ópera de um dia só.

Cansado da travessia e sem a menor chance de recuar, confesso que veio uma nuvem de pessimismo, seguido por um lapso de insegurança, pouco antes de abrirem os portões, afinal, todos os eventos possíveis e gratuitos aconteciam no mesmo sábado. Mas quem faz um festival sabe que, no fundo, “o que a vida quer da gente é CORAGEM”, frase de Guimarães Rosa que me persegue. Ao lembrar dela, minha chave mental apontou para uma única seta. VAI SER INESQUECÍVEL!!

Novamente o “BARULHO/ BAGULHO”, de Lenora de Barros e Raul Mourão, foi presente, projetado em duas telas enormes. Na sequência, o DJ francês Coni nos conduziu por sons e texturas contemplativas até a chegada do tão aguardado artista canadense Martin Messier. Em “Field”, ele criou um nervoso teatro de sombras com uma estrutura de peças e campos magnéticos, algo difícil de reproduzir em palavras. Teatro moderno digital.

Logo depois, Paul Jebanasam e Tarik Barri mostraram sua hipnótica performance audiovisual “Continuum AV”.  Alguns corajosos sentaram e viajaram naquela densa abstração.

A partir dali, a energia só subiria, com o Looping: Bahia Overdub (numa coapresentação com o Festival Panorama), depois com o Ninos du Brasil e, por fim, com a Vizinha Faladeira. Dub, punk e samba, todos afinados e conduzidos pela animação. As portas de saída do armazém foram abertas às 3h. Como um cortejo de carnaval, todos saíram atrás da bateria da escola até o porto maravilha.

Foram dez línguas faladas ao longo de 35 dias, desde a residência no Xingu até aquela Utopia. Depois de tantas vivências inesquecíveis, é preciso dizer: Obrigado / Thank you  / Merci / Grazie / Gracias/ Aingo Hegüei / Graciès / Bedankt  / Stutiyi / Dhanyavaad.

E a última frase cantada no Armazém da Utopia apontou para o nosso próximo alvo: “Como será o amanhã?”

Em 2018, começaremos nossa pesquisa justamente sob a regência do AMANHÃ.

Ainda ecoando tudo que fizemos, parto na próxima semana para participar do encerramento da Bienal de Veneza, seguindo depois para o Festival de Live Cinema Fotônica, em Roma, e para uma visita rápida ao centro de arte digital ZKM, em Karshule. Tudo para pesquisar o nosso novo tema.

Até AMANHÃ!!!

Batman Zavareze

Festival Multiplicidade

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Em seu terceiro álbum, “Vida eterna”, a dupla italiana Ninos Du Brasil embaralha samba, techno e vampirismo num batuque de matar

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Italianos e bem grandinhos, Nico Vascellari e Nicolò Fortuni são, curiosamente, os Ninos Du Brasil. E eles têm baquetas nas mãos e os dentes cravados na realidade. Em seu terceiro álbum, “Vida eterna”, os dois seguem subvertendo ritmos e estéticas a todo volume, casando batucada e techno sob as bênçãos do punk e das artes visuais. Nas oito estrondosas faixas do disco (que tem participação de Arto Lindsay), anarquizam também a narrativa, com títulos em português (com a ajuda do tradutor do Google) e uma surreal história sobre vampiros que sugam a energia vital das pessoas em uma floresta misteriosa. É o Nightmare Team do passinho.

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Vascellari e Fortuni costumam dizer que nasceram em Queimada Grande, uma ilha “perdida” em São Paulo, de acesso proibido, onde mora a serpente mais venenosa do mundo (de fato, o local existe e é conhecido como Ilha das Cobras). A verdade é só um pouco menos divertida: vindos do interior da Itália, os dois tinham uma banda punk chamada With Love, no final dos anos 90. Ninos Du Brasil era o nome de uma provocativa performance que faziam antes dos shows do With Love, uma espécie de bloco dos dois sozinhos, para ver quem realmente estava no local para ver a banda. “A ideia era simplesmente perturbar as pessoas”, admitiu Vascellari em recente entrevista ao site “Factmag”.

Mas tudo deu maravilhosamente errado. Aos poucos, o NDB passou a chamar mais a atenção do que o With Love (que chegou a gravar pelo selo GSL, de Omar Rodriguez, do Mars Volta) e acabou por engolir a banda principal. Foi melhor assim. Passados dez anos, os Ninos se firmaram como um transgressor ato musical/visual, famoso pelas incendiárias apresentações, tanto em palcos tradicionais como em squats e galerias de arte. Além dos álbuns anteriores, “Muito NDB” (2012) e “Novos mistérios” (2014, que traz uma faixa chamada “Sepultura”, em homenagem à banda mineira), chegaram a lançar um single, “Aromobates”, pelo selo DFA Records, de James Murphy, do LCD Soundsystem.

“Vida eterna” – que tem capa desenhada pela artista britânica Marvin Gaye Chatwynd – segue o baile com fogo e paixão. De “O vento chama o seu nome”, faixa de abertura, a “Vagalumes piralampos”, a única com vocal, que fecha o disco, a fúria sônica dos Ninos é alimentada por uma paleta percussiva, que inclui desde peças tradicionais (cuíca, surdo, prato etc) até objetos como garrafas, cilindros de gás e pedaços de madeira. Tudo embalado por texturas metálicas e vocais abstratos, criando o transe industrial perfeito para a dança dos vampiros e de outros mortos-vivos. Ou como profetizou Assis Valente em “Brasil pandeiro”, canção de 1940, imortalizada pelos Novos Baianos no clássico “Acabou chorare” de 1972: “Há quem sambe diferente noutras terras, outra gente/Num batuque de matar”.

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PROGRAMAÇÃO COMPLETA:

Ocupa Porto Armazém da Utopia

Armazém 6, Orla Conde, s/n. Parada do VLT: Utopia/AquaRio.

Horários: 19h e 21h40m (Lenora de Barros e Raul Mourão), 19h30m (DJ Coni), 21h (Martin Messier), 22h (Paul Jebanasam e Tarik Barri), 22h40m (Looping: Bahia Overdub), 24h (Ninos Du Brasil), 1h (Vizinha Faladeira).

Classificação etária: Livre.

Entrada: Gratuita.

Local sujeito à lotação.

Saiba mais: http://bit.ly/MX2025_UTOPIA

Encerramento do festival com atrações sortidas e conteúdos transversais.

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É a noite da grande expansão do Multiplicidade 2017. Celebração do ano em que o festival promoveu o barulho – fosse ele poético, visual , sonoro ou tudo isso junto – e buscou novas formas de comunicação em tempos de ruído,  o Ocupa Porto Armazém da Utopia reúne atrações sortidas e conteúdos transversais. Num lugar de nome tão apropriado – afinal, fazer um festival num país em crise nada mais é do que uma utopia -, chega-se ao ápice de uma programação que, ao longo de pouco mais de um mês, despertou sentidos adormecidos, promoveu diálogos inusitados e estimulou o pensamento mais profundo de nossa cena artístico-cultural.

A ocupação terá abertura da obra que permeou todo o evento, “O BARULHO É VISUAL / O BAGULHO É VISUAL” da artista, poeta e concretista Lenora de Barros, com a participação do artista plástico Raul Mourão. E a noite seguirá pulsando com o som do DJ francês Coni, com o encontro entre a música de Paul Jebanasam (Sri Lanka/ Inglaterra) e a  videoarte de Tarik Barri (Holanda) na performance “Continuum AV”;  com o espetáculo de ruídos e luzes “Field”, de Martin Messier (Canadá), com os movimentos coreográfico cruzados do Looping: Bahia Overdub, com o punk percussivo e colorido do duo italiano Ninos do Brasil e, por fim, com o batuque da venerável  escola de samba Vizinha Faladeira, fechando o utópico ano de…2025.

Artista visual e poeta paulistana, formada em linguística pela USP, Lenora de Barros utiliza em suas obras diversos recursos como o vídeo, a fotografia e a instalação. Seu celebrado trabalho está no acervo de diferentes coleções particulares e públicas, como no Museu D’Art Contemporani, de Barcelona, na Espanha, e no Museu de Arte Moderna de São Paulo e do Rio de Janeiro.  Em dois momentos da noite, Lenora vai apresentar  “O BARULHO É VISUAL / O BAGULHO É VISUAL” – obra marco do Multiplicidade 2017 – ao lado artista plástico Raul Mourão, cujo trabalho  engloba também “desenhos, gravuras, pinturas, esculturas, vídeos, fotografias, textos, instalações e performances”, como descreve seu site.

Figura de renome no cenário eletrônico underground francês, o DJ  Coni  (Nicolas Olier) define seu trabalho como “música noturna com uma estética estranha”.  Ele lançou seu primeiro EP em 2011, pelo selo local ClekClekBoom em 2011. Desde então, vem transitando entre estilos como house, techno, garage e bass music, sem nunca se prender a nenhum deles.

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Ex-baterista de bandas punk na adolescência e hoje apaixonado por Radiohead, eletroacústica e free jazz, o músico, compositor e artista multimídia canadense  Martin Messier  é formado em composição eletroacústica pelas universidades de Montreal, no Canadá, e de Montfort, na Inglaterra.  O interesse pelas artes gráficas fez com que ele explorasse a relação entre som e imagem. É esse mesmo interesse que o inspira a compor música para dança e teatro.  Messier vem criando projetos individuais e parcerias através dos quais ele desenvolve e experimenta performances eletroacústicas híbridas.  Um dos seus projetos de maior repercussão foi a  a Sewing Machine Orchestra, com a qual cria um espetáculo audiovisual a partir dos ruídos de oito antigas máquinas de costura.  Em “Field” , sinais residuais e imperceptíveis , colhidos com microfones especiais, aliados a duas placas eletrônicas, são a matéria prima de uma performance de ruídos e luzes. 

Apresentada pela primeira vez no Brasil e também na América do Sul,  “Continuum AV” é uma performance conjunta de Paul Jebanasam (Sri Lanka) e Tarik Barri (Holanda), a partir do álbum de mesmo nome, lançado por Jebanasam em 2016, repleto de melodias fragmentadas.  Eles já se apresentaram juntos em festivais como Semibreve (Portugal), Mutek (Canadá), Sonic Acts (Holanda) e Atonal (Alemanha).

Radicado em Bristol, na Inglaterra, depois de viver em Sydney, na Austrália, Jebanasam é produtor musical e diretor do selo Subtext . Tem dois álbuns lançados, “Music for The Church of St. John The Baptist” (2012) e “Rites” (2013), influenciados pela música clássica litúrgica, além de dark ambient e metal.

Barri passou por escolas de arquitetura e psicologia até encontrar sua vocação, estudando sound design composição na Escola de Música e Tecnologia de Utrecht.  Ele já participou dos mais importantes festivais internacionais de novas mídias como CTM (Alemanha), Sonar (Espanha) e Unsound (Polônia) e  realizou colaborações audiovisuais com nomes como  Radiohead e Flying Lotus, entre outros.

“Looping: Bahia overdub” é uma plataforma de investigação que se desdobra em formatos distintos. O espetáculo promove movimentos coletivos de tensão e distensão, inspirados nas contradições da cultura baiana. A criação é colaborativa de Felipe de Assis (diretor teatral, produtor cultural e curador em artes cênicas), Leonardo França (artista residente no Cem, centro em movimento, em Lisboa, e na Casa Hoffmann, em Curitiba) e Rita Aquino (doutora em Artes Cênicas, mestre e especialista em Dança pela UFBA, onde leciona) faz parte de uma colaboração curatorial com o Festival Panorama que realiza sua 26ª edição em 2017. Suas práticas interdisciplinares articulam criação, produção, pesquisa, formação e curadoria em diferentes contextos de atuação.

Podendo assumir o caráter de espetáculo, instalação ou festa, Looping: Bahia overdub reúne criadores independentes de dança, teatro e música da capital baiana. A trilha, executada ao vivo, traz referências da cultura afro-brasileira, como o afoxé dos Filhos de Gandhi; da música popular (samba-reggae), e sonoridades urbanas diversas. Potentes caixas de som são ao mesmo tempo elementos cênicos, objetos de pesquisa coreográfica e aparelhos de transmissão sonora.

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Nico Vascellari e Nicolò Fortuni são os Ninos Du Brasil, uma dupla de percussão italiana com um fundo em arte visual. Através da sua aptidão com a bateria, fundem as influências aparentemente díspares do punk, techno tribal e batucada, emergindo com um verdadeiramente singular. Eles já lançaram três álbuns:  “Muito N.D.B.” (2012), “Novos mistérios” (2014) e “Vida eterna” (2017). Seu currículo inclui apresentações em festivais como Berlin Atonal (Alemanha), Unsound (Polônia) e Primavera (Espanha).

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Uma das mais antigas escolas de samba do Brasil, a Vizinha Faladeira surgiu no Rio, em 1932, no Santo Cristo, zona portuária. Foi uma das primeiras agremiações a usar enredos internacionais, apresentar carros alegóricos em seus desfiles e ter uma comissão de frente. Suas cores são o azul, vermelho e branco. No carnaval de 2018, na série B, a escola vai homenagear o criador Paulo Barros.

line-up

PROGRAMAÇÃO COMPLETA:

Ocupa Porto Armazém da Utopia

Armazém 6,  Avenida Rodrigues Alves, Cais do Porto.

Horários:  19h e 21h40m (Lenora de Barros e Raul Mourão), 19h30m (DJ Coni), 21h (Martin Messier), 22h (Paul Jebanasam e Tarik Barri), 22h40m (Looping: Bahia Overdub), 24h (Ninos Du Brasil), 1h (Vizinha Faladeira).

Classificação etária: Livre
Entrada: Gratuita.
Local sujeito à lotação

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